segunda-feira, 27 de setembro de 2010

"SÃO GOOGLE", PARA OS ÍNTIMOS

Foi diferente o meu jeito de aprender do jeito de se aprender agora. 

Muitos questionamentos bombardeavam minhas ideias, intrigantes perguntas sem respostas sobre os mistérios deste mundo atiçavam minha curiosidade. Queria, como toda criança, entender “por que as estrelas não caíam do céu”, e outras centenas de ingênuas questões não resolvidas. Na convivência com pessoas queridas dotadas de paciência, abusava das oportunidades de cimentar conhecimento no meu cérebro com a liga da afeição.

Era noite alta e eu era bem pequena. Um apagão repentino reuniu a família na varanda. Enquanto imperava a escuridão, petiscos eram devorados para espantar o sono. Estiquei o olhar espreitando, por entre as nuvens, o que havia para além da madrugada. Sem que eu esperasse, meu pai apontou para o negrume da noite e me explicou a posição das constelações no céu. Sob a luz tênue da vela, improvisou sobre o papel da embalagem vazia de bolachas, o mapa das figuras formadas pelas estrelas. Falou de distâncias e ângulos como se eu fosse gente grande. Tudo ficou bem demarcado na minha cabeça e até hoje, quando olho para o céu, vejo nas cinco estrelas da Constelação Cruzeiro do Sul ou nas Três Marias do cinturão de Órion, as linhas desenhadas pelo meu pai. Foi daquele momento que nasceu o meu deslumbramento pela Lua – a rainha dos astros noturnos – capaz de interferir em nossas marés com suas variações de humor e controlar, conforme seus caprichos, fenômenos aqui na Terra.

Os primeiros e preciosos conhecimentos vinham da experiência dos mais “letrados”, quando insistíamos nas réplicas e tréplicas aos intermináveis encadeamentos dos nossos “porquês”. Observando, refletindo, investigando, extraíamos conclusões daquele mundo desconhecido que de tão grande, ocupava a casa, o jardim, a rua, a escola, a igreja e um pedaço de céu. Logo depois, os livros tornavam-se passaportes para o prazer do conhecer, do saber, onde todas as certezas faziam sentido. Na leitura concentrada aguçávamos nosso senso crítico, nosso gosto pela língua. Inexistiam as facilidades imediatamente disponíveis trazidas pela Informática, mas inventávamos formas divertidas de aprender brincando. Criávamos nossos próprios jogos e concebíamos nossas histórias futuras, dessas que se contam 
como um segredo ao pé do ouvido. Uma folha da agenda ou a areia da praia tornavam-se campo aberto para disputar com as amigas afins as soluções dos desafios de lógica ou equações matemáticas. Pesquisar significava mergulhar em estreita sintonia com os autores consagrados, por horas esquecidas na biblioteca.

Hoje convivo com avançada tecnologia na era digital. Longe de pecar por saudosismo, vejo com certa inquietação, particularidades um tanto diferentes na formação da atividade intelectual por parte dos jovens. As crianças dos novos tempos também têm dúvidas, a diferença é que... o Google responde. “São Google”, para os íntimos. Os familiares, os amigos de verdade, ficaram em modo de hibernação, descartados para um segundo plano, afinal, a Web criou a “Geração Google”, que tem na Internet a resposta a todos os porquês, no seu mais complexo desdobramento. Ao Google o que é do Google: todos os méritos que lhe cabem. “Ave Google!” Nós é que precisamos, como seres pensantes que somos, ajustar os comandos da nossa navegação com ele. O conjunto de dados descarregados na tela representa um acervo gigantesco e muitos estudantes percorrem a Internet como sua fonte abundante, porém suas consultas se limitam a águas rasas, superficiais. Navegam em busca de elementos para suas pesquisas, mas suas procuras são horizontais, quase nunca se embrenham no aprofundamento do assunto. Saltitam, acelerado, de site em site. Diante do imenso arsenal de dados abertos, a cabeça se fecha, porque essa fragmentação na busca da informação deixa um embaraço na capacidade de digerir o conhecimento adquirido.

Um amontoado de dados não se sustenta, por si só, como uma via de conhecimento.  Buscar informações instantâneas e "ruminadas", sem estar preparado para filtrar e organizar os resultados obtidos não transforma o material em informe relevante. E crianças e jovens ficam a sobrenadar na superfície do ciberespaço. As viciantes ferramentas de distraimento oferecidas pelo computador, passam a lhes corroer a concentração, passam a lhes esmaecer até mesmo o que já apreenderam do nosso belo idioma. Não conseguem prosseguir numa leitura com mais de três parágrafos. Habituaram-se à inexistência do rigor na escrita, palpável em numerosas falas de blogueiros subjugados pelo “tudo vale / inventividade nenhuma / cultura pra quê?”.

Mais que a televisão, a ligação frenética com a Internet, cheia de fantasias e vazia de significados, carcome, desde as bordas, as relações familiares, porque reduz em quantidade e em qualidade a interação entre filhos e pais. Corre uma febre virótica entre muitos adolescentes com seus notebooks a enfurnarem-se no quarto, plugando-se em suas cápsulas, afoitos para decolar rumo aos sites de relacionamentos. Dificilmente estão imersos em instrução ou preocupados com crescimento, apenas absortos, unicamente, em "fofocas e passatempos", numa fogueira de exibicionismo inútil. Juram que a Suíça fica no continente americano e desconhecem até mesmo o que seja uma “cota de emissão de carbono”, porque seu universo é, nada mais, que uma rede social de amigos virtuais. Bem ligeiro, colecionam "amigos" em todo o Planeta. Nem percebem que essas conexões – frágeis interesses casuais – distam um ano-luz da ideia de amizade, são efêmeras como um sopro a três passos do fim, e findam velozmente, incineradas pelo clicar de um mouse. Ao tempo em que os pings eletrônicos lhes anestesiam a realidade, seus intelectos desaproveitam a herança cultural e cívica que balizou a construção dos nossos valores e atou o nosso perfil à imaterialidade do corpo.

Tão ou mais preocupante, é quando essa dita Geração Google adere ao funesto hábito do "copia e cola" informações, de forma passiva e apática, enfraquecendo a tendência do criar. Péssima prática que torna a criatividade estéril, a expressão verbal ou escrita áridas, as hipóteses de desbravamento desertas e que conduz, inevitavelmente, à mediocridade.

Mas acredito que tudo isso tem cura, pode ser reparado. Por experimento, sei que o cérebro humano é suscetível ao adestramento. Assim como ele se moldou desatento, pode ser treinado para reter atenção. Podem, as habilidades de concentração e foco, ser reensinadas ou reaprendidas. Podem, os internautas crônicos, redescobrir a graça do trato face a face, do estar perto dos seus para construir ao vivo e a cores, com pessoas de carne e osso, uma experiência de vida real, com o calor nas mãos e a expressão no abraço. Podem, ainda, os pesquisadores contumazes, forçar o hábito para criar interpretações pessoais na triagem do material encontrado, adicionar inteligência, e questionar, explorando outros métodos, outras fontes, porque é possível estar diante de uma amostra distorcida. O Google – monopolizador do mercado de busca brasileiro – escreveu, mas isso não atesta uma verdade absoluta.

A tecnologia que rege o ciberespaço trouxe maravilhas à vida moderna. E o viver com os nossos aqui na Terra fez de nós o que somos hoje. Assim, a harmonia entre mundo real e mundo virtual, o equilíbrio na interação entre seres humanos e máquinas nos apontam o caminho para uma terra prometida chamada “Progresso & Bem-Viver”. Só depende de nós.


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CRÔNICA 39
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4 comentários:

  1. Já que agradecer é um arte, começo dizendo que me sinto agradecido pelo post!!! Fui uma criança nos anos 80..e como muitas daquela década tive a oportunidade de brincar na rua, ir a colônia de férias, fui escoteiro, acampei...joguei os games típicos a exemplo do "enduro" qual criança não jogou? E o pac man?? vulgo "come-come"?? Pois é... indo mais longe...ao se iniciar a minha curiosidade sobre o mundo...Quando comecei a atirar os meus porquês pelo mundo, tive a sorte de ter você....minha primeira vítima... - Mamãe...por que o nuvem não desce? Por que o avião voa? Por que o céu é azul? Por que? Por que? Por que?... Me lembro com saudosismo de cada resposta sua emitida com amor e paciência...Isso certamente foi fundamental para o meu processo de aprendizado e amadurecimento...cresci sem medo de perguntar os meus "porquês". As amizades..foram conquistadas à moda antiga mesmo...na escola, na rua, e no movimento escoteiro..naquela época..nem sonhávamos com o que se tem hoje a respeito de sites de relacionamento. Aquela maneira me ensinou a detectar uma pessoa mal intencionada e me proteger, me ensinou a ser amigo de verdade de quem mereceu, me ensinou a amar sem exageiro e repelir sem violência...enfim..no mundo virtual..tudo é mais prático...tudo é menos interessante...afinal não dá para tocar violão com os amigos lá...não dá para gargalhar entre os entes amados...sei lá..parece meio preto e branco. Um beijo para você e obrigado pelo conto. Ah..não demora para publicar o próximo heim! Parabéns! Parabéns! Parabéns.

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  2. Vejo as coisas por ângulo um pouco diferente. O Google (e Yahoo, Cadê etc) é realmente uma ferramenta nova na humanidade. Até 20 anos atrás, se vc queria comprar sapatos, vc devia ir ao centro da cidade e procurar uma loja adequada. O mesmo se dava com informação, tinham os spots consagrados de difusão de informação, por exemplo, livrarias, bancas de revistas, TV, professores, pais etc. Acontece, que já havia sido definido todo um rito de obtenção de informação, já havia sido razoavelmente maturado pela humanidade.

    De repente, surge algo próximo a cada cidadão, que oferece respostas pra tudo (nem sempre as corretas) e não requer sequer 10% do trabalho de outras fontes.

    Bem, justamente por ser novo e estar próximo a cada pessoa sem precisar de intermediários (sem censura), precebe-se que não há regras, melhor dizendo, não há normas de "etiqueta" usar a ferramenta Google.

    Acredito, que seja o desafio da humanidade para as próximas décadas aprender a lidar com ferramentas do tipo.

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  3. Super interessante a sua reflexão sobre esse tema tão polêmico.
    De fato o Google expressa o caráter do momento no qual vivemos: a era das facilidades. Mas até que ponto essa modo de viver é bom? Impossível não lembrar do filme WALL-E, cuja temática revela como a tecnologia pode reduzir a capacidade de questionamento, criatividade e até mesmo ação. Se não tomarmos medidas hoje, teremos (talvez já temos) um homem inerte, que não é capaz de criticar e transformar seu espaço.
    O conto traz uma problematica que precisa continuar sendo investigada...´Sem dúvida é necessário que haja intervenção!

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  4. Amiga Regina,

    Desculpe por ter escrito só hoje, mas por razões que fogem ao meu controle, não o pude fazer antes.
    Mais uma vez leio uma crônica fantástica e, confesso, nunca tinha me atentado para um espírito crítico de um link de pesquisas como você fez. Você é fantástica na sua perspicácia e detalhamento. Você conseguiu me fazer ler algumas vezes o que escreveu pois em cada palavra existe uma interrogação, um princípio e até uma crítica quando necessária. Não vejo falta de nenhum ponto de abordagem. O “Sr. Google” trouxe para esta geração o conforto de pesquisas dentro de casa. Claro que é bom, no entanto, afastou um pouquinho mais nossos alunos das bibliotecas e consequentemente dos livros. Sem dúvida, nos trouxe um pouco mais de “preguiça mental” pois não temos mais tanta necessidade de raciocinar sobre assuntos ou temas. Pra quê ? Se existem tantos que já raciocinaram por nós...! Vejo, portanto, uma fonte inesgotável de “conhecimentos disponíveis” ao mesmo tempo que me preocupa ser tambem depósito de princípios sem bases educativas, de mentiras criadas por elucubrações doentias e de “conhecimentos” que se passam por verdades das mais diversas áreas, tanto científicas como comportamentais. Sem falar do caminho aberto para a inesgotável fonte de vírus criados somente para atrapalhar nossas máquinas.
    Com todos os defeitos e vantagens disponíveis, ainda acredito que se trata de uma excelente ferramenta desde que usada com espírito crítico e parcimônia.
    Adorei mais este tema que você abordou.
    Grande beijo e peço que continue a nos fazer pensar sobre diversos temas como este

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