quarta-feira, 25 de maio de 2011

NA TERRA DO TIO SAM

Dias atrás, por ser quase férias, improvisei um coração novo para caber os lugares que arrasto comigo nas viagens. Fazia algum tempo que eu não pisava em solo americano, atemorizada com o onze de setembro. Animada para uma maratona particular pelos brinquedos mais radicais da Disney, andei pela terra do Tio Sam, cruzando os limites da Flórida, de ponta a ponta.

Longe de criticar ou exaltar os Estados Unidos em comparativos com o nosso Brasil, penso que tanto a cultura brasileira quanto a americana, ambas resultantes de um mosaico com diferentes vertentes culturais, têm seus pontos fortes e outros a ajustar. Porém, o meu querido País emergente que me perdoe, mas, consoante o velho dizer de Vinícius, beleza é fundamental. A beleza da evolução de uma nação e sua gente para uma pátria cantar suas vitórias. São gritantes as diferenças entre esses dois Países em quesitos comuns como segurança pública, educação, economia e outras e outras. Por tudo o que vi, existe um abismo entre o viver deles e o nosso.

Aqui não estou me referindo à tecnologia da construção, por exemplo, que ergue e apronta uma edificação naqueles canteiros de obra, do dia para a noite. Também não falo do sistema viário avançado, nem da pavimentação impecável das estradas, ruas e avenidas. Nem menciono na conversa, o arrojo na arquitetura do plano diretor das cidades servidas por emaranhados de viadutos e estações de metrô com impressionante funcionalidade. Deixo de lado, ainda, o esplendor ostentado pelo império econômico nos luxuosos e imponentes arranha-céus espelhados em Downtown, Miami. Aos ventos que sopram o glamour da riqueza e poder, já não escrevo odes.

Refiro-me à consciência social, à civilidade, à organização, à disciplina, à qualidade de vida, ao respeito para com os bens públicos e para com o semelhante, numa terra onde a polícia cumpre seu papel, a ordem e limpeza pública são seguidas à risca pelos cidadãos e entidades. Marcante, é assistir, por vezes incontáveis, à dedicação de pessoas que, de tão obesas, perderam a forma humana, mas se desdobram na atenção aos seus genitores ou outros familiares deficientes em cadeiras de rodas, dispostos a lhes oferecer, ainda que a custo de redobrado esforço pessoal, o possível em diversão ou conforto. Admirável, é ver o idoso que, enquanto assim desejar, trabalha com garra, derrama sorriso fácil em todas as faces da pele e tem o seu espaço garantido entre os vivos para fruir com dignidade de seu quase outono. Por essas e outras que presenciei em escala razoável, sei bem que o Brasil, este amado torrão imenso e intenso, pejado de carências sociais e mazelas políticas, daqui a trezentos anos talvez, comece a formar a consciência de um novo tempo, na trilha do primeiro mundo.

Durante o percurso da viagem, por vezes, os fatos correram à revelia do nosso querer e gravaram forte impressão em memórias que fecundam lágrima no meu olho. Uma das experiências, aparentemente trivial, tem um marcador inusitado, por beirar o impossível. 

Determinado dia, chegamos cedo a um dos parques temáticos gigantes de Orlando, apinhado de gente, na casa dos milhares e milhares. Fomos buscar aventura nas mirabolantes elevações de aço com trilhos nas alturas para deslizamos naqueles sedutores aclives sucessivos. O auge do desafio está nas descidas verticais bruscas, quando despencamos na incerteza de chegar inteiro em lugar ignorado, fora do campo de visão. Nessas quedas vertiginosas, é que rezamos para sair vivos, enquanto os loopings desarrumam os nossos órgãos internos e colocam o nosso labirinto em marcha a ré. Mas, como todo hobby viciante, quando pomos o pé no chão, ansiamos voltar para onde mora o perigo e tudo recomeça. 

No meio do dia, depois de desembarcarmos dos vagonetes, encharcados com os giros extravagantes de uma montanha-russa aquática, pingando adrenalina e sem fôlego, nos acomodamos num Fast Food para almoçar. Meu filho procurou a carteira no bolso e nada encontrou. Rebuscamos todos os possíveis esconderijos nas mochilas, percorremos o caminho de volta até as atrações já frequentadas e nada, nem esperança. Entrei em choque, porque naquela carteira estavam todos os nossos ingressos dos parques e shows, cartões de crédito e dólares suficientes para balançar as convicções ou corromper a boa-fé de qualquer mortal. Todas as portas das nossas férias estavam abertas ao usufruto do felizardo achador entre a multidão que circulava naquele dia. Devolver para quê? Ali estava uma programação completa de entretenimento, com todos os suportes financeiros agregados de brinde. Todas as peças naquele contexto me indicavam o mapa de uma causa perdida. Fazia horas do sumiço e a cada instante passado, o retorno do bem, a reversão da perda, parecia impraticável.

Cristalizei, literalmente, com um torpor a me mastigar os gestos. Minha mente esquentava os tambores trabalhando numa solução, enquanto minha postura inerte ignorava o movimento em volta, tal como quando o corpo chama o coração e ele não responde. Nisso, meu filho, provido de uma calma extraordinária, assim afirmou com uma certeza inabalável: “Mãe, fica aqui e me espera, porque eu vou encontrar minha carteira e voltar com ela”. Nem precisava recomendar, porque dentro de mim, uma granada de silêncio ancorava meus pés e me travava o andar, nos moldes de uma estátua de jardim, imóvel e muda. Saiu concentrado, e em oração, pediu para que Deus colocasse seus anjos no circuito e lhe apontassem o caminho.

Dirigiu-se a ermo, com o horizonte no olhar, a um dos seguranças do parque e em bom inglês fez o registro da perda. O guarda anotou a ocorrência, fez contatos por rádio com outros parceiros e nenhuma resposta. Solícito, o prestimoso vigilante avisou que ia se afastar para investigar no escritório entre os objetos perdidos e retornou alguns minutos depois sem nada nas mãos, visivelmente pesaroso. Comentou tratar-se de uma empreitada difícil, considerando o tamanho da área a esquadrinhar e o aglomerado de visitantes vindos das cercanias. Então, engasgado pelas frases curtas, chamou a gerência representando a autoridade do lugar para selar o atendimento. Estranhamente, as cenas se sucederam, como num passe de mágica, desses que saem da cartola divina do Altíssimo no Céu. O gerente veio caminhando de outra direção, e perplexo, entregou nas mãos do Ulysses a carteira intacta, com todos os itens rigorosamente intocados, sem nada mexido ou violado, dizendo: “Você tem muita sorte, sua carteira acabou de me ser entregue por uma pessoa que a encontrou no chão, distante daqui”.

Agradeci, incontinenti, a Deus por tanto naquele momento. Foi comovente pensar na mentalidade evoluída do transeunte que resgatou a carteira e confiou na hombridade de um simples cidadão americano - o gerente daquele setor de montanha-russa. De volta, ao longe, em marcha tranquila, o Ulysses mostra, num aceno, o troféu recuperado. Ao chegar perto, como se nada tivesse acontecido, perguntou com a maior normalidade: “Vamos almoçar?” Reação típica do jovem que ajusta as velas na tempestade e ao chegar em águas mansas, só lembra de pingos d’água. E assim prosseguiu, sem mais tocar no assunto, feliz da vida na nossa volta aos parques por horas esquecidas.

Difícil de acreditar, mas naquele dia, eu presenciei um milagre incontestável em todas as suas nuances. Uma prece atendida em regime de urgência contrariando todas as previsões no mundo material, deixou expressa uma intervenção sobrenatural entre nós, guiada por determinação divina para nos socorrer. Sob a minha ótica, não se trata de coincidência ou casualidade, e sim, fenômeno que escapa à nossa compreensão, inexplicável dentro dos conceitos do Plano Físico e só esclarecido na palavra do Sublime Mestre: "Pedi e recebereis".

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CRÔNICA 46
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4 comentários:

  1. Mãe, de fato, a experiência de haver perdido a carteira naquele complexo enorme e lotado ainda me traz uma sensação de impotência indescritível. Afinal, aquele era o primeiro dia de parque, ainda haveria mais 7 parques a visitar, quase duas semanas de viagem ... tudo perdido naquele momento. Então, tomado de inesperada determinação resolvi lutar...não iria entregar meses de suado planejamento para realizar uma viagem tão sonhada com você. Foi aí que eu disse: Pai, conduz cada passo, palavra e ato meu em direção a minha carteira. A partir de agora meu corpo não mais me pertence e sim a Ti. Nesse momento, algo de fantástico aconteceu...senti como se estivesse leve..nem o torpor da perda era suficiente para embaçar o que se sucederia..eu sequer raciocinava...imagino agora o que deve sentir quem se deixa hipnotizar, pois assim me senti! Com pouco domínio do meu corpo e mente me deparei com uma pessoa que tinha minha carteira nas mãos e dizia:estou muito surpreso.. você tem muita sorte, pois a perdeu no pátio, alguém a achou e a trouxe aqui (gerência de uma montanha-russa). Vivi na pele a experiência de ser conduzido pelos anjos do Senhor, pois de outra forma não haveria como eu achar aquela carteira...ainda que digam os incrédulos que foi sorte....mas o que e sorte? Seria o reino do acaso? Não! Deus, poder infinito, me mostrou por uns instantes o que a nossa fe Nele pode fazer.

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  2. Graças a Deus que deu tudo certo. As chances da devolução acontecer talvez fossem de 1 em 1000, mas, em atenção à prece do Ulysses, pelo visto, vcs poderiam perder a carteira 10 vezes que a achariam dez vezes. Tudo graças à enorme (infinita) misericórdia divina.

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  3. De arrepiar!!!

    Que experiência maravilhosa...
    Como Deus é bom!

    Por que ainda somos tão incrédulos muitas vezes? Deus volta-se aquele que recorre a ele!Ele, com certeza, pode fazer tudo e poderia proceder o milagre do reaparecimento da carteira, sem que o Ulysses tivesse pedido. Mas creio que Deus gosta de ouvir nossas orações, de ver a nossa dependência, o nosso reconhecimento a soberania Dele!

    Bom saber que podemos contar com ele!

    Beijos, Regina!!!

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  4. Amiga Regina,

    Quem sou eu para alinhavar qualquer comentário a respeito da sua crônica!!!
    Só me resta deixar que saiba que fiquei, novamente, de boca aberta com sua capacidade de narrativa, nos levando juntinho a cada recôndito porque passou e quis nos presentear com o cenário.

    Sabe, amiga, você escreveu que “...daqui a trezentos anos talvez, comece a formar a consciência de um novo tempo, na trilha do primeiro mundo”. Eu sofro não porque não estamos no rumo certo para desenvolvimento de primeiro mundo, mas porque em nosso pais percebemos um “cabo de guerra” entre grandes pensadores, cientistas, pensadores e profissionais extremamente gabaritados versus uma corja de políticos desqualificados, traficantes e usuários de drogas. O pior de tudo, é a permissividade das leis e legisladores por conta de conveniências pessoais ou corporativas. Quem arrastará quem?

    Admito que existam incrédulos de milagres mesmo porque não se apeguem a princípios de qualquer religião, mas creio que todos devem se curvar à “coincidência” entre a fé/oração e o atendimento do pleito. Podem chamar de coincidência, poder da mente, milagre mas, a meu ver, “não cai uma folha sequer se não for pelos desígnios de Deus” e “esta folha caiu incontinente após um pedido com fé”.

    Mais uma vez, obrigada pela crônica e capacidade de nos transportar aos cenários que tão detalhadamente pinta na nossa mente.

    Grande Beijo e Fiquem com Deus

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