sábado, 19 de fevereiro de 2011

ÀS VOLTAS COM A CRISE

A manhã se cobriu de clima ameno, naquela nuance entre o sol e a chuva com cheiro de vento fresco a correr casa adentro. Animada com a folga do calor, me instalei na varanda com um notebook e uma caneca com café caseiro  aquele adubado com mel e rapadura  para desenhar um projeto gráfico que estava na lista de espera do meu tempo sempre corrido. Entretida com a fluência dos traços, segui por horas, focada no melhor resultado possível. Quase pronto, no ponto, suspendo o encerramento para revisar cada detalhe exigido pela minha incurável mania perfeccionista. Nisso, um estrondo ao longe estremece tudo, da terra ao ar, aí incluídos os ninhos dos passarinhos que se hospedam no meu quintal. A música silenciou, tudo em volta se apagou e o notebook, com a carga da bateria cansada, deixou escapar todo o conteúdo, ausentando-se involuntariamente em forçoso abandono de tarefa e levando junto, a contragosto, todo o meu esforço para o negrume da sua tela. Foi quando me dei conta de que não havia salvado o trabalho inteiro, desde o início, e meu elaborado arquivo foi despejado nas profundezas de lugar nenhum. Ainda fora do ar com o impacto das perdas e danos, recolho os cacos da lição bem aprendida.

A frequência desses caprichos de oscilações de corrente e queda de fases, combinados com os rumores de panes na subestação, curtos-circuitos e ameaças de racionamento, sinalizam uma confissão escancarada de que estamos às voltas com a crise energética.

E pensar que tudo começou no início dos anos 70, lá pelos idos de 1972. O “ouro negro” começava a escassear, tornava-se privilégio de um povo até então sem grande notabilidade: os árabes. O preço do petróleo foi às alturas. Com ele, porque transportáveis, todos os bens de consumo. Os reflexos se fizeram sentir no mundo inteiro. O fenômeno alimentava a voracidade de um gigante que despertava: a inflação. O problema assombrou o mundo. Urgia adotar soluções. A Revolução Industrial e o avanço tecnológico cada vez maior nas indústrias, principalmente na expansão automobilística, reclamavam, em níveis sempre maiores, os derivados do petróleo.

Movido pelas necessidades, o homem se atirou à pesquisa, tendo buscado no carvão vegetal e no álcool extraído de diversas plantas, novas alternativas. A iniciativa foi estimulada em concursos e simpósios, e começaram a surgir os primeiros resultados. Desse filão, veio ao mundo o carro a álcool - tecnologia brasileira – hoje largamente difundido, figurando nas feiras internacionais pelo mundo afora.

A busca incessante pelas opções alternativas de energia prossegue e ganha mais um trunfo com o apoio e o incentivo dado às usinas hidrelétricas em substituição às termelétricas, trazendo o oportuno proveito da enorme economia de combustível, já que a força motora é provida pelo impulso da própria água represada. Por sua formidável fartura de águas, o Brasil, construiu seu sistema de energia elétrica baseado na geração hidráulica, justamente pela abundância de seus recursos hídricos. Depois disso, a escassez energética esteve, temporariamente, sob rédeas, mas o fantasma da crise rondava incansável à espreita da oportunidade para a investida.

Nesse cenário, outras medidas alternativas empunharam as armas para bater de frente com a aparição da crise energética. Brotaram, então, os experimentos candidatos a salvar o barco, com a utilização das tecnologias solar, eólica, geotérmica, até àquela resultante da queima de restos orgânicos – a biomassa. Mas, a expressiva fonte de geração de eletricidade no mundo, se firma com a energia nuclear trazida pelo avanço tecnológico, hoje, com centenas de usinas nucleares em operação. Essa prodigiosa conversão do átomo em energia tem suas vantagens e inconveniências para a humanidade: entre os prós, como as abundantes reservas de combustível, se contrapõem os contras, como a produção de lixo radiativo e o aterrador estigma de acidentes.

Porém, aqui no torrão pátrio, o sistema energético brasileiro ainda tem gargalos apertados que hoje alimentam a nuvem negra da crise se avizinhando. Todos sabemos que a infraestrutura brasileira é insuficiente para atender a atual necessidade do País, e o setor elétrico padece de problemas de natureza estrutural até hoje não equacionados e nem mesmo assumidos perante o povo. Mas, ao longo dos anos, nos relatórios e pronunciamentos do alto escalão do governo, os “poderosos senhores” na gestão dos negócios públicos atestam, com os dedos cruzados, a suficiência absolutamente garantida no sistema de geração de energia, e deslocam o sistema de transmissão - que transporta essa energia gerada - para a conveniente categoria de vítima. Uma vítima de “estiagens imprevisíveis arremessadas ao espaço geográfico brasileiro pelo guardião celestial das questões atmosféricas aqui, no Planeta”. Juram, de pé junto, que a infraestrutura energética no Brasil é perfeita, robusta, sólida e estável. E, à revelia, São Pedro – o santo e inocente Apóstolo – é acusado injustamente, sem ter passado procuração a nenhum mortal para sua defesa neste fórum terrestre. A verdadeira responsabilidade do risco de um colapso energético a que estamos submetidos é do descaso com que a severidade de assunto tão grave tem sido tratada pelas autoridades competentes. E já não é mais possível confiar em políticos e governantes – sejam de quais cores provenham seus partidos – que sistematicamente enganam a população com “verdades” insustentáveis, escamoteiam suas deficiências, cultivam a negligência como se virtude fosse e escondem as farsas e traças embaixo do tapete.

Antes do tratamento de choque ao pesadelo iminente dos blecautes, aqui no Brasil, carece resolver, na raiz, o apagão crônico da credibilidade da administração pública, em xeque.

Como leiga, me abstenho de apontar pretensas soluções para a atual crise, tão complexa. Mas arrisco meu palpite na premente necessidade de o País debruçar-se sobre as possibilidades de produção de energia, congregando pesquisadores, favorecendo o compartilhamento dos estudos entre os especialistas, na busca de uma luz no fim do túnel. Indispensável reprisar a imperiosa urgência de investimentos em geração, transmissão e distribuição de energia. É por este caminho, assim penso: investimento. Investimento para modernizar, para permitir o crescimento econômico, para esconjurar a assombração da crise. Outro pitaco que arrisco é exigirmos um governo aberto às contribuições de todas as forças atuantes: empresariado, sociedade civil, peritos habilitados e comunidade científica, formando parcerias para somar forças e combater o perigo – que plana sobre o nosso sono – de condenar os brasileiros à escuridão tenebrosa do apagão.

Aqui, retomo meu trabalho perdido no episódio desta manhã. Como tudo tem uma razão de ser, o incidente hoje acontecido deixa uma sugestão para se pensar, também, nas soluções dos pontos de estrangulamento no nosso modo de viver, quando sentimos a vida prender-nos os movimentos. Às vezes um choque de poucos volts de tensão corretiva ou reparadora, trazido pelas intempéries da vida, precisa ser por nós dissecado, porque esconde o condão de nos despertar para novas descobertas e apontar novos caminhos. Outras vezes, quando o silêncio se impõe sobre o nosso ânimo, e pensamentos negativos nos submetem à densa energia, abatendo a carga das nossas forças a quase nos apagar, temos o recurso infalível de reverter para a vibração em alta frequência, simplesmente dirigindo a mente para o polo positivo, a querer do mundo tudo que de melhor ele tem. E por fim, sempre que as quedas de corrente em nosso sistema emocional ameaçam a sobrevinda de crises ou apagões desencadeados pelas nossas fraquezas humanas, temos ao nosso alcance o poderoso investimento nas forças da Luz – sublime fonte geradora da mais alta e pura energia  que irradiará com luminoso brilho o campo energético do nosso halo, para todo o sempre.  


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CRÔNICA 42
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4 comentários:

  1. Trocando algumas palavras ... Bom, em tempo, observo que sua habilidade em transformar estórias pessoalmente vividas em arte não são restritas à experiência pessoal, mas abrange igualmente os assuntos da vida prática também, ainda que sejam temas áridos como a crise energética! Mesmo falando do tema que nos desperta a revolta com o descaso da classe política com a produção e o fornecimento de energia elétrica, você consegue deixar uma sublime lição ao final. É uma honra poder usufruir da preciosa dica. Quanto ao assunto trazido, a crise resulta, acredito, não de mero descaso político, mas intencional abandono por parte dos maus políticos que ficam à espera de oportunidade para obter algum ganho ilícito nas licitações para construção e instalação das usinas. E assim se vai vivendo no Brasil. Ainda me pergunto: - Até quando? Bom, vou ficando por aqui deixando os meus parabéns e registrando que gostei muito da reflexão proposta e, especialmente, do último parágrafo. Até o próximo conto.

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  2. Amiga Regina, ,

    Fantástica a abordagem de um tema que nos afeta a todos, independente de classes sociais ou de regiões onde moramos. Uma crise energética, de fato, pode chegar a tal ponto de provocar crises de alimentos, transportes, comunicações etc. Quem ficaria imune a isso, que não seja hermitão? Você tem total razão em suas críticas de falta de investimentos no setor energético. Creio que se existissem usinas hidrelétricas que pudessem ser montadas em curtíssimo prazo, certamente estariam brotando aos montes nas nossas quedas dágua porque seriam excelentes palcos de descerramento de placas inaugurativas para nossos “venerandos” políticos. Como são obras que demandam anos e anos, não são de tão grande interesse político, assim como grandes e necessárias pontes rodoviárias e reforma na malha ferroviária.
    Vejo sim, amiga, bem próximos os dias em que a energia elétrica doméstica deverá ser abastecida com recursos do proprietário do imóvel, como painéis solares para sobrar mais da energia hidrelétrica para industrias pois são de altos consumos.
    Obrigado, querida! Como já disse várias vezes, você se supera a cada frase, a cada abordagem e quem ganha com tudo isso somos nós fãs de carteirinha de sua competência e sensibilidade.
    Grande beijo e já estou aguardando a próxima crônica a engrandecer mais ainda minha alma.

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  3. Excelente abordagem, a qual revela a tua capacidade de dissertar sobre os mais diversos temas.

    À medida que o homem decobriu tecnologias, criou dependência a fontes de energia para manter a utilização das novas descobertas. A procura por energia cresceu mais ainda com a Revolução Industrial, abastecendo as grandes fábricas,reforçando a busca por poder.
    O problema foi não saber onde parar. Se analisarmos a história notamos que essa foi a razão da queda de grandes líderes, como Alexandre, Napoleão, Hitler. Apesar disso, o mesmo erro continua sendo cometido: Milhões de mortos em disputas por territórios ricos em recursos energéticos, fome e miséria geradas pela concentração de renda.
    Diante dos últimos relatórios sobre meio ambiente, nota-se que a natureza já não pode suportar a exploração de alguns recursos, como os que produzem emissão de CO2.
    Muitos tratados e protocolos assinados, mas poucos resultados. Alternativas energéticas limpas e renováveis são possíves, mas pouco empregadas. Isso tem lógica? A lógica continua sendo a que sempre norteou as grandes decisões sobre o destino da humanidade: poder, poder e poder!

    Lamentável.

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  4. Energia se tornou um tema interessantíssimo desde os últimos séculos. Hoje, frequentemente em jornais, universidades e até em conversas de bar se debate o tema. O que acho estranho é que nesses debates pouco se relaciona a quantidade de energia necessária para a humanidade, o seu custo e o seu benefício.
    Nikolai Kardashev classificava as hipotéticas civilizações em 3:
    Tipo I: capaz de aproveitar toda a energia que chega ao planeta;
    Tipo II: capaz de aproveitar toda energia de uma estrela;
    Tipo III: capaz de utilizar a energia que emana de uma galáxia;
    Curiosamente, a civilização humana ainda está bem abaixo da de tipo I. Ou seja, considerando o potencial de aproveitamento de energia disponível, mal utilizamos 1% do que poderíamos. O que é mais estranho: se tentássemos chegar a civilização tipo I com petróleo, o ouro negro se esgotaria em um piscar de olhos da história (palpite de que menos de 2 meses).
    O gargalos de energia da humanidade estão ficando cada vez mais intensos. Cada dia que passa a matriz energética da nossa civilização, calcada em termelétricas e hidrelétricas, revela a sua incapacidade de atender a demanda crescente. Este fato siginifica que situações como as narradas neste conto sejam cada vez mais recorrentes até que o homem acabe com esse injusto e ineficiente sistema de geração e distribuição de energia.



    Energia se tornou um tema interessantíssimo desde os últimos séculos. Hoje, frequentemente em jornais, universidades e até em conversas de bar se debate o tema. O que acho estranho é que nesses debates pouco se relaciona a quantidade de energia necessária para a humanidade, o seu custo e o seu benefício.
    Nikolai Kardashev classificava as hipotéticas civilizações em 3:
    Tipo I: capaz de aproveitar toda a energia que chega ao planeta;
    Tipo II: capaz de aproveitar toda energia de uma estrela;
    Tipo III: capaz de utilizar a energia que emana de uma galáxia;
    Curiosamente, a civilização humana ainda está bem abaixo da de tipo I. Ou seja, considerando o potencial de aproveitamento de energia disponível, mal utilizamos 1% do que poderíamos. O que é mais estranho: se tentássemos chegar a civilização tipo I com petróleo, o ouro negro se esgotaria em um piscar de olhos da história (palpite de que menos de 2 meses).
    O gargalos de energia da humanidade estão ficando cada vez mais intensos. Cada dia que passa a matriz energética da nossa civilização, calcada em termelétricas e hidrelétricas, revela a sua incapacidade de atender a demanda crescente. Este fato siginifica que situações como as narradas neste conto sejam cada vez mais recorrentes até que o homem acabe com esse injusto e ineficiente sistema de geração e distribuição de energia.

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