sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

HORA DA MUDANÇA


Estive ausente do Blog, desde a véspera do Natal, por força das circunstâncias, em razão de mudança. Mudança de endereço e... de visão sobre a vida.


Eis que me deparo com o processo de mudança em curso. Experiência marcante, a por em prova a minha estabilidade emocional, principalmente pelo estresse gerado com a administração dos imprevistos, com a coordenação dos detalhes e com o controle das caixas que portavam os nossos pertences de uma vida inteira. Mesmo classificando os objetos e etiquetando os pacotes com rigoroso critério, eu me senti diante do caos na nova morada entre um mar de volumes embalados, afogando o meu equilíbrio, e um tempo curto demais para as festas de fim de ano.

Os desafios costumam atiçar a minha determinação, então me propus a encarar de frente a árdua tarefa (ou missão impossível) de por a casa em ordem para as tradicionais ceias em família. Hoje, tenho o prazer de dizer, num misto de alívio e gratidão aos céus, que consegui tal feito, a contento. Mas a organização do layout da nova casa, sob pressão, no auge da desordem, me obrigou a lembrar que sou humana e precisava de uma pausa para reabastecer as forças e prosseguir na frenética corrida contra o tempo.

Vencida pelo cansaço, me prostrei na única peça montada até aquele primeiro momento: a cama. Com as mãos cruzadas sob a nuca, olhar fixo no teto, tentando ver além do concreto, iniciei um estágio de relaxamento para me reenergizar. Porém, teimosamente, uma sinopse dos últimos acontecimentos insistia em passar diante de mim, martelando a minha consciência:
- muita coisa acumulada ao longo do tempo. Enquanto guardadas nos armários, passam despercebidas aos nossos olhos e fogem do registro da nossa memória, o que confirma a pouca aplicabilidade no nosso dia-a-dia;
- livros colecionados em toneladas, que, considerando a relação tempo versus quantidade, uma centena de anos que me restassem de vida terrena, não seriam suficientes para a leitura de todos. Todavia tanto conhecimento enclausurado poderia ser disponibilizado para benefício de tantos outros, próximos ou distantes;
- objetos diversos em meu poder, sem uso algum, poderiam estar servindo a muita gente, me poupando das acusações do remorso pela sensação de desperdício;
- peças de importante utilidade, empregadas, por puro esquecimento, como meros adornos, em prejudicial desvio de função.

Um conhecido provérbio popular afirma que “Papai do Céu escreve certo por linhas tortas”. Penso que nas supostas “linhas tortas” está a necessidade de aprendermos algo, de crescermos sob algum aspecto, segundo os desígnios traçados pela Misericórdia Divina.

Por esse ângulo, precisei exercitar o desapego a coisas materiais, fruto de coleções antigas, pelas quais tinha estimação, independentemente do valor comercial. Precisei aprender a compartilhar, sem restrição, o que tenho em excesso, o que me sobra. Precisei eleger o que realmente me serve ou me será útil durante o meu tempo de validade neste Plano. Precisei abolir as vitrines expositivas e utilizar efetivamente todos os aparelhos que disponho para facilitar minha vida pessoal e profissional. Precisei aceitar resgatar para o uso diário tudo o que estava destinado a ocasiões especiais, porque todo dia é especial enquanto vivemos, enquanto aqui estamos.

Nessa linha de pensamento, transferi o mesmo raciocínio para o campo interior de qualquer um de nós:
- quantos sentimentos engavetados e esquecidos, prescritos pelo tempo;
- quantos projetos envelhecidos, no mostruário da vontade, mas que nunca ultrapassaram a linha da intenção.
- quantas obras ou criações deixaram de ser desenvolvidas por falta de uso das habilidades inerentes a cada um de nós.
- quantas alegrias deixamos de viver guardando em prateleiras os bons momentos para depois.
- quanto bem deixamos de fazer, por relegarmos a segundo plano e para um futuro incerto, a nossa disposição de ajudar.
- quantos ímpetos de realizações, fragmentados pela poeira corrosiva do comodismo, ficaram sepultados nas agendas de ano após ano.
- quantas iniciativas de melhorias armazenadas em cronogramas a serem iniciados qualquer dia, ou seja, sem data nenhuma, em dia que nunca chega.
- quanto bem-querer ficou estocado no coração, sem ser dito ou declarado ou revelado aos entes queridos.

E a lista segue, interminável.

Ânimo renovado, mensagem decodificada pela sensibilidade, entendi que a mudança física de casa sugeria uma reforma íntima correlata. Nesse passo, finquei nova bandeira de ação em meus propósitos: hora de renovar, de agir, de praticar enquanto há tempo. E assim fiz.

Uma mudança de residência que me abriu espaço para uma mudança de propostas. Depois disso, me encontro livre, leve e solta!

Afinal, - afirmo com convicção - o que realmente levamos deste mundo para a prestação de contas com o Todo Poderoso é a nossa evolução espiritual. Na balança celestial, o peso a nosso favor está no saldo credor dos bens imateriais que possuímos, representados pelos dons que recebemos e multiplicamos e o que fizemos com eles... pelos outros, pelo Planeta e por nós.
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CRÔNICA 9

8 comentários:

  1. Belíssima reflexão. Tomo como lição. É comum termos muais do que precisamos e quando nos damos consciência disso e compartilhamos com os outros, melhoramos como cristãos. Lindo o texto. Parabéns.

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  2. Estava com saudade de seus contos. As coisas que guardou por esses anos todos constituem uma espécie de máquina da lembrança que está sempre à mão, sempre disposta a ser acionada, para instantaneamente reerguer mundos de dor, contentamento, alegria - e impedir que esqueça de si mesmo. Mas isso não impediu de exercitar o dom da benignidade que gera boa vontade. Suas palavras e atos gentis transmitem aos outros que a felicidade e bem-estar deles são importantes para você, o que os faz querer reagir da mesma forma. Muito obrigada, Que Deus continue lhe inspirando e que 2009 ele derrame benção sem fim.

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  3. Lindo! Isso mesmo as coisa materiais não interessam para Deus. Ele só quer os pensamentos, as lembranças, o amor e coisas desse tipo no céu.Você mais uma vez me emocionou com suas palavras e seu gesto. Deus lhe abençoe e um 2009 cheios de realizações

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  4. Pelo visto, essa mudança veio em época oportuna, junto com as festas de final de ano quando naturalmente se faz um balanço do ano que passou.

    A chance de se chegar às conclusões elencadas aqui em "Hora da Mudança" é um bênção, uma dádiva da misericórdia divina, seja pela sensibilidade alcançada (evolução humana) para perceber isso, seja pela oportunidade de por em prática, mudar qualitativamente a sua vida e a dos próximos.

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  5. Mais uma pérola de seus sentimentos! Estava com saudade de ler coisas como a que escreve. Quem sou eu para acrescentar ou retirar uma vírgula sequer do que brilhantemente expressa. Mas estou pedindo perdão e permissão por pensar um pouquinho em transversal, Não estou totalmente convecido com a frase que escreveu "Por esse ângulo, precisei exercitar o desapego a coisas materiais pelas quais tinha estimação, independentemente de valor comercial." Eu mesma tenho, por exemplo um CD que, a princípio poderia se enquadrar nesse pensamento, mas sei que o Renato Russo, além de espalhar poemas ao vento, vive em paraleto nos meus dias pela importância de quem me deu de presente. Concordo e achei de uma felicidade incrível o paralelo que traçou, mas ainda vejo algumas coisas importantes, como representativas de momentos passados, e por isso acho alguns objetos até divinos, pois sinto que Deus nos presenteou com lembranças (ruins e boas) e concedeu-nos o dom de associação de felicidades (ou tristezas) com objetos, pessoas, cores, etc. Mas continuando pedindo perdão pela intromissão, minha amiga, confesso que não me lembro de uma analogia tão cristalina! Por favor continue abrindo seu peito, pois nós precisamos sempre nos revitalizar com expressões de luz como a sua. Obrigada, Regina!Você se supera a cada dia! FELIZ 2009 pra nós!

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  6. Regina,

    Que bom que a mudança de casa também resultou na mudança de pensamento e de atitude. Belo texto. Sei bem o significado dessas palavras pois também já senti e escrevi sobre esse tema, uma crônica que chamo de Doação e que está em meu site: http://www.sumauma.net/amazonian/cronicas/cronicas-doacao.html, e que também concorda com a Gilmara...

    Abraços,

    Rosa

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  7. Cara Falcão,
    Você escreve de uma forma maravilhosa... como quem domina a arte!
    É gostoso lê-la! Além do mais, o conteúdo é inquestionável: reflexões para a vida!
    Parabéns!
    Que Deus continue te dando inspiração e sabedoria para compartilhar conosco.
    Joaquim Miranda (ESJUS).

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  8. Sua crônica permite e conduz os leitores à uma pausa reflexiva em seus atos e procedimentos no cotidiano da vida. O texto, roporciona momentos intuito regressivos aos apreciadores de uma bela leitura. Mais uma vez, tocas tu, no ego de seus leitores. Carinho Pedro

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REGINAFalcão