sábado, 20 de dezembro de 2008

O HOMEM MODERNO - UM SER SOLITÁRIO


Decerto uma onda de saudosismo me levou a pinçar alguns flashes do passado. Envolvida por tão aprazíveis lembranças, que me fazem nascer uma vez e mais outra vez, as vezes que forem necessárias em cada mergulho ao escuro dos meus olhos, até me perder de vez em cada memória visitada. Nessas andanças aos tempos remotos, não pude evitar de traçar um paralelo das formas de como as pessoas interagem entre si, nos tempos de agora com os tempos de outrora.


Em meus tempos de criança (numa época nem tão distante assim), o homem - no sentido universal - me parecia mais humano, mais sensível no trato com o seu semelhante, mais consciente do seu papel neste Planeta. Antes mesmo da Internet e da telefonia celular se agregarem às veias do ser humano, as pessoas eram naturalmente mais próximas. O cumprimento entre os vizinhos exalava euforia pelos dentes, o interesse pelo bem-estar do outro era real numa natural rede interligada de intenções e parcerias entre todos. Atender projeto de melhoria de qualquer morador encontrava nos outros vizinhos um mar vastíssimo de temperanças e solidez.  As vitórias da semana eram festejadas em noites singulares, quando os amigos compartilhavam horas alegres recheadas de riso e diversão. Assim como nas dores dos dias vazios, também sabiam falar de silêncios. Os rapazes enamorados derramavam paixão às suas amadas entre serenatas na madrugada, jorrando ternura em todos os ouvidos acordados pelas canções ao som do cúmplice violão. Nas maiores festas do ano, os moradores fechavam as ruas para um grande arraial onde todos se agrupavam em um único clã. A palavra era moeda de valor, dispensava até o rigor dos contratos escritos. Os devotos das redondezas se ajuntavam numa das casas eleita para representar o oratório daquela noite, portando velas e petiscos, e nessas ocasiões, entoavam cânticos com vibração, rezavam juntos em voz alta e encerravam o culto em clima de cordialidade e abastança. Promessa era coisa séria, a ser cumprida a qualquer custo e com todo o gosto. Os mais velhos repassavam aos mais novos as tradições dos antepassados, o ritual das brincadeiras, os segredos de ofício. A família criava laços engolfando toda a árvore genealógica, onde o zelo e o aconchego entre os membros de toda a hierarquia, derramavam pelos dedos. Tudo era motivo para reunir, confraternizar, festejar, somar esforços. Tudo, naqueles ninhos, era imperfeito e belo.

Esse tempo se foi e vejo com pesar, com ele também se foram os hábitos de relacionamentos estreitos, abnegados, participativos, comunitários, cheios de agrados e afeição. Parece que o tempo calou as vozes dos mistérios, calou as serenatas dos trovadores, calou os ais dos ventos, calou o som dos abraços inventados, calou a linguagem dos olhos nos olhos, calou 
o riso e o choro dos poemas.

Tenho que admitir, por tudo o que vivenciei na infância e por tudo que observo nos dias que acompanham a minha marcha, sinto, com as certezas deste mundo, que as diferenças são muitas e não são, necessariamente, para melhor. Na atualidade, as pessoas se distanciam sobremaneira, automatizam os contatos em mala direta, restringem-se ao artificialismo do universo digital. Hoje, na minha concepção, o homem moderno é um ente fadado a ser só, embora seja essa uma afirmação essencialmente paradoxal, considerando todo o crescimento tecnológico à nossa volta, disponibilizando a mágica da comunicação sem limites.

Habitante das pulsantes metrópoles e megalópoles, o homem moderno se enreda, no seu dia-a-dia, no emaranhado de uma teia de compromissos sociais e profissionais a lhe exigir fôlego, tenacidade, perspicácia, inteligência e agudeza de espírito. O grau de intensidade de tais predicados influem, de modo decisivo, no papel que desempenha no contexto sócio-profissional de que participa. E tudo isso tornou-se prioridade máxima em sua concorrida agenda, agora, inteiramente eletrônica, porém, desprovida de humanidade. Desbotou o lirismo de viver. .

O homem moderno encolheu o coração a um tamanho tão menor que o mundo, que nele não cabem nem as próprias raízes. Para ele, se perderam, no tempo e no espaço, valores considerados importantes para nossos avós. Valores como a simplicidade, o respeito no contato com a Natureza, o interesse pelo outro que lhe é próximo, a paz de espírito, o calor humano, a capacidade de ajudar, a boa-vontade de ensinar, a solidariedade e tantos outros... Só lhe importa o seu poder aquisitivo representado pelos seus saldos bancários, o seu prestígio traduzido pela posição ocupada na empresa onde trabalha, os clubes que frequenta, seu carro do ano, a grife das roupas que veste, os títulos que acumula, enfim, os bens materiais que consegue conquistar e ostentar no seu espaço cibernético. Hoje, durante o sono, o homem costura cobertas sobre os medos e  sobre a pressão de mostrar o "ter" para ser aceito e reconhecido no mundo virtual.

Na luta febril pela manutenção do seu status, ele é capaz de atropelar quem se interponha aos seus objetivos, por pequenos que pareçam. É um arrivista incurável.

Mas, em meio a toda essa atividade, a tão intensas exigências amontoadas no peito, o homem moderno, embora rodeado por milhões de pessoas nas redes sociais é um ser solitário. Não acredita em amizade desinteressada, em sentimentos mais profundos. Não participa com o coração, da pureza de espírito e do desprendimento que apenas as pessoas mais humildes conhecem. Está sozinho em sua selva urbana, crivado de vãs presunções, cercado de máquinas. Na aridez de seu mundo de chips, cada vez mais desenhado para “Reality Swow”.
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CRÔNICA 8

5 comentários:

  1. SENSACIONAL, amiga!!! Você tocou num ponto nevrálgico do ser humano moderno! Hoje é tão fácil dizermos "te amo" "te adoro" "te quero", pois não são os sentimentos que dizem. No máximo são os sentidos e os transmissores não são mais os olhos, a boca e o coração, mas o cérebro e os dedos no teclado! Tão mais simples mesmo! Da mesma forma que você externa, tenho pra mim que os homens modernos tem como instrumento principal da comunicação "as suas coisas": seu carro, suas roupas, sua aparência de salão de beleza, suas consequências de fitness, seus perfumes, etc... Outrora, os seres humanos precisavam "olhos nos olhos", ouvir consequencias e críticas, compartilhamento de sentimentos para ser quisto e, principalmente, ter coragem pra carregar seu coração nas mãos, pois certamente qualquer coisa que fizesse ou dissesse, seu coração faria as vezes de promotor ou defensor das suas atitudes a todos os que vissem ou ouvissem suas atitudes... Liiiindo, amiga! Saudades da "sonata" que reunia singelamente os jovens para sentirem-se um ao outro! Este é mais um primor de seus pensamentos!

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  2. Não importa quantas coisas você compre, não interessa quanto dinheiro ganhe você só fica com três coisas na vida: As experiências, seus amigos verdadeiros e o que você planta dentro de si mesmo. As experiências estão nos momentos comuns como ouvir música, passear numa praça, conversar com alguém, assar um pão. Amigos verdadeiros são aqueles que nunca saem do coração, mesmo que saiam de sua vida. Quanto ao plantamos cabe a cada um de nós. Parabéns Deus continua lhe inspirando tocou no meu coração suas palavras, A Cada dia você se supera mais e mais.

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  3. Regina,

    Ótima abordagem sobre um tema tão atual como a modernidade e seus efeitos, nem todos desejados.

    Feliz Natal!

    Rosa

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  4. Simplesmente o máximo. Parabéns por mais um conto fascinante. Eu sinto saudades das brincadeiras nas ruas, do contato com a turminha para brincar de manja-pega, manja-esconde, ouvir com os amigos o "LP" de uma banda de quem fôssemos fãs, de voltar sujo e suado de tanto brincar para casa. Hoje há crianças de 7 ou 8 anos já com celulares na escola, aliás, cada um quer ter o celeular mais incrementado; hoje se "conversa" pelo msn e se relaciona pelo "orkut". Sei lá..me parece que o homem moder é virtual, quando muito de plástico. Abraços e parabéns mais uma vez!

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  5. Parece q a cultura dominante nos educa para sermos solitários mesmo. Resta a nós agir diferente a cada dia para rompermos com essa visão de colocar o ser humamno em segundo lugar.

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