sábado, 13 de dezembro de 2008

O VÔO DA GAIVOTA - ANSEIO DE LIBERDADE


Minha varanda de volta ao contexto. Desta vez por causa de um pôr do sol sui generis entre um céu espaçoso e o nosso mar de água doce - o Rio Negro.

O sol estava inspirado: aplicou os matizes do fogo com a forja em brasa sobre o balanço das ondas no rio; pincelou as nuvens vizinhas com a mais escandalosa paleta de cores, exibindo espantosa aquarela aos nossos tímidos olhos; pulverizou reflexos acobreados de intensa luminosidade sobre a copa das árvores, sobre as fachadas dos prédios e de tudo o que estava ao seu alcance. A enorme esfera incandescente, entretanto, descia o horizonte com certa pressa, talvez para descansar ao abrigo das sombras noturnas, depois do esforço para produzir inigualável obra de arte.

E me era dado contemplar o ocaso chegando para cobrir o dia com o véu da noite, orquestrando o brilho e o rubor do sol em performance de silenciosa poesia. Nesse fim de tarde, em especial, um cenário de impressionante beleza, de cativante esplendor!

Não há exagero na descrição, pelo contrário, não consigo exprimir em simples palavras a grandiosidade do espetáculo proporcionado pelo astro-rei, em cumprimento ao labor divino do Supremo Arquiteto.

É nesse momento mágico, de tocante candura, quando a Natureza me parece em prece ao Criador, que a gaivota amazônica surge nos céus, no seu derradeiro voo do dia. Com movimentos leves, graciosos, como se acompanhassem o ritmo de uma valsa, ela desliza no ar desfilando sua plumagem branco-acinzentada com invejável desenvoltura. Escorrega brandamente naquele espaço iluminado, planando, vencendo os ventos contrários em sua aprimorada acrobacia, deixando em qualquer expectador um convite hipnótico para “viajar” nos desenhos sinuosos do seu voo.

Nele se traduz em seu sentido maior, a própria liberdade, liberdade tão ansiada por muitos. A sensação de voar, sem haver grades no céu, espelha esse sentimento de liberdade absoluta, profundamente arraigado no ser humano, mas que jamais terá condições de ser usufruído na íntegra. A liberdade plena é uma utopia? Na facticidade somos limitados, determinados, penso eu.

Nossas limitações de liberdade não são realidades inventadas, são correntes que a nós se atrelam desde a vida agitada por que passamos, esmagados por um amontoado de compromissos e vínculos que entopem os nossos sentidos e emperram nossos atalhos para o autoconhecimento.

Na esteira do dia-a-dia, com os nossos pés marchando ao compasso da vida, muitos são os monstros internos e externos limitadores do nosso livre arbítrio. Quase sempre, baixamos a guarda com a cumplicidade da noite encobrindo nossos segredos, e nos fazemos prisioneiros de medos, angústias e preconceitos, e outros freios a travar a capacidade de usarmos a razão e de valorizarmos de um jeito inteligente o mundo que cabe em nós
. E atropelamos justamente essa habilidade que, segundo os entendidos, atribui ao homem o sentido da liberdade concebida como plena expressão da vontade humana.

Já aprendi por dentro da pele, que é possível nos libertarmos de tantos grilhões, deixarmos essas amarras num passado queimado, mas isso é uma árdua tarefa com desafios para uma vida inteira, maior que essa, porque essa vida é pouca para tanto.

Ora, se na concepção genérica, a liberdade é “a condição de um indivíduo ter pleno poder sobre si mesmo e sobre seus atos”, então, a meu ver, está longe de participarmos, senão de modo meramente visual, da liberdade expressa no voo da gaivota.

E assim, estendi minha mão a mexer em lugares longe no horizonte, para trazer um recorte do sol e estampar no meu colo a paisagem bucólica original dessa tarde. Para não deixar o coração fugir-me com essa visão. 


por toda a abstração suscitada pela dança da gaivota no panorama de um poente suntuoso, eu procuro um lugar onde estacionar as emoções para me arriscar a deixar aqui o meu conceito próprio de liberdade. Um conceito subjetivo, arcaico, talvez, mas que busco exercitar, a duras penas. Liberdade, pra mim, enfim, é conseguir me perdoar e perdoar os outros, fazer as minhas escolhas segundo o meu tirocínio, dominar a mim mesma, abrir minha mente sem amarras, e... estar na paz do meu Senhor Deus! Aí, sim, eu me entendo livre... em plenitude!
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CRÔNICA 7

5 comentários:

  1. Divina a analogia que faz! Senti-me do seu lado contemplando as riquezas que descreve com tanto mimo! Sabe, amiga, eu entendo mesmo que a verdadeira liberdade é aquela que descreveu: está dos olhos pra dentro. Toda aquela beleza contemplada por alguém com o coração empernido, teria uma descrição muito diferente da sentida pela sua alma! Que Deus nunca tire de você essa capacidade de voar e sentir-se livre, pois perderia a capacidade de escrever crônicas tão lindas; somente descrições sem adjetivos, reticências, exclamações que só a alma consegue ler... Parabéns pela impecabilidade e pelo dom de nos transportar quase de olhos fechados ao cenário que pintou na sua alma!

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  2. Que beleza! é isso mesmo a felicidade e a liberdade tão almejada, que as pessoas às vezes passam à vida toda procurando e não percebem que ela tem que vir de dentro. Acredito que Deus tem tudo a ver com esses simples momentos. Para viver de verdade precisamos deixar que o espírito dentro de nós seja livre e regozije-se em sua singularidade. Parabéns, realmente Deus lhe inspirou.

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  3. Acredito que Deus esteva com você nesse dia. ápós ler esse conto fiquei imaginando que é uma razão para que abservemos mais as coisas criadas pelo grande e poderosos Deus. è Uma benção ele em nossas vidas. Você como sempre sendo usada pelo Espírito Santo. Parabéns

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  4. Este conto, como os demais, nas primeiras linhas, nos rapta da realidade e transporta para o plano do ideal, onde nos desprendemos das pesadas amarras e nos entregamos à saborosa sensação de liberdade, antes até abstrata, mas após a leitura, plenamente vívida. Mais uma vez, parabéns pelo nobre dom de escrever e nos fazer viajar. Mal posso esperar para ler o próximo "conto de acaso".

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  5. Aí aí, liberdade, que sonho!

    Torná-la realidade depende de nós, exige muuuuita coragem, garra e comunhão com Deus.

    Ahhh...que sonho gostoso!

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