quarta-feira, 16 de maio de 2012

A VERDADEIRA AUTORIDADE


Um poeta americano de nome Ralph Waldo Emerson, disse apropriadamente: “Quem você é, fala tão alto, que não consigo ouvir o que você está dizendo”.

Era quase noite naquela agitação típica de ambiente de shopping, com direito a todo tipo de burburinho gerado pelas promoções da estação. Muita gente, muitas compras, nenhuma vaga. Na fila do caixa do Café mais frequentado, aguardava inquieta, com a pressa ditada pelos ponteiros do meu relógio atolado de compromissos. Justo naquele horário, meio mundo combinou um ajuntamento na mesma Cafeteria. E a afluência de interessados alongava a procissão que avançava a palmos. Todos falavam ao mesmo tempo entre si ou ao celular, atropelando-se com sacolas de desculpas. Invocar toda santa paciência me parecia razoável. A qualquer instante, a fila haveria de andar. Próximo ao balcão, enquanto o adolescente conferia o dinheiro para o pagamento do lanche, o pai exibia com uma piscadela, as habilidades em subtrair e devorar sorrateiramente um elaborado petisco da cesta ao lado. Travessura de pronto festejada no cúmplice cumprimento espalmando as mãos. Só que pouco mais atrás, o moleque de cabelo em corte militar, agarrado à saia da distraída mãe, presenciou a cena com as orelhas em antena do tipo parabólica captando sinais. E no momento seguido, aquele garoto de viva expressão, passou de expectador a protagonista de outra história. Tal qual um ator em franco ensaio para estreia, se esgueirou entre os adultos até à bandeja de salgados, e invisível sob as vistas de uma multidão, apanhou todas as guloseimas ao alcance da mão. Com a voracidade de uma draga, escondeu todos os troféus no bolso do casaco esportivo. Incontido, cerrou os punhos num gesto de vitória, comemorando a proeza aprendida mais rápido que o cair de uma estrela.

Imagino que cada atitude, palavra ou gesto nosso está sendo escaneado e costurado com todos os fragmentos no campo de observação dos que nos cercam, em todo lugar. E fatalmente tal testemunho abrirá ressonância na estrada dos que interagiram com os nossos atos, muitas vezes ao ponto de virar a chave do trilho para direções promissoras ou tortuosas, dependendo das inspirações recebidas de nós.

Mas muitos são os que permanecem aferrolhados ao reiterado hábito de mentir um bocadinho com meias verdades, de induzir terceiros a confirmar inverdades, de sugerir procedimentos pouco éticos, sem se dar conta de que o vil proceder retira a autoridade moral de exigir ou esperar qualquer conduta digna ou leal de alguém.

Assim como tantos outros se valem do cargo investido para imprimir pelo temor reverencial, seus feitos questionáveis, infamados pela total ausência de princípios ou escrúpulos.

Não percebem que o falso moralismo petrifica o merecimento do respeito, condição maior de todas para o acatamento pessoal. Apregoam soluções para os males deste mundo e carregam na boca palavras cintilantes, mas na penumbra, se comprazem em libertinagens. Diante do espelho, o olhar foge à censura pelas manobras escuras para parecer sem ser. Parecer ser bom sem ser realmente do bem. No dúbio viver, com um pé nas aparências e outro no charco, quando a própria alma não lhe reconhece o corpo, arremessam para longe a grandeza da integridade humana, intoxicam a formação de todos os que participam do mesmo convívio e contribuem para consolidar uma sociedade moralmente enferma.

Na moldura do quadro, a reveladora luz da verdade levanta a capa do retrato e prova que não é a posição que enaltece quem ocupa o posto, mas sim o comportamento moral com que a pessoa se conduz dentro dela. Somente as qualidades morais facultam a autonomia almejada, a deferência interior e silenciosa, fluída das profundezas da alma sem temor.

Essa sonhada autoridade moral se torna sólida no exemplo atestado pelos nossos atos. A verdadeira autoridade, aquela que envolve e convence pela própria postura, pisa macio nos arredores do peito e arrasta o coração de olhos fechados. Traz consigo um pedaço de céu limpo onde guardar a cabeça. É parte de quem tem domínio sobre si mesmo, controle por dentro da pele sobre as más inclinações para viver sob as normas do bom proceder.

De nada serve a atitude professoral vertida do alto de uma cátedra, se desacompanhada do exemplo, sem a prática do que prega. Não me refiro necessariamente à conquista das excelsas virtudes ou da excelência moral, mas sim à tentativa constante de acertar, ainda que tropegamente.

A responsabilidade pessoal sobre a direção para onde nossos passos levam outros pés, é patrimônio intransferível. A convivência com os que exercem alguma autoridade hierárquica baliza a tendência natural do discípulo a imitar, a fazer igual. E assim como a comunhão com os bons cimenta os valores morais na mente aberta de quem está perto, a esteira do mau exemplo amalgama o erro e o vício na jornada de vontades mais frágeis. 

Se quisermos existir para sempre, para além das histórias, o exemplo é a senha mais curta para a imortalidade. O mais contundente método de educação, o melhor exercício de caridade, a mais gratificante de todas as tarefas de casa. Ser amostra viva de lições de vida, de mensagens úteis para serem lidas e repetidas pelos que transitam ao nosso redor.

Quem sabe assim, seja gradualmente extinta a fase em que o homem – criatura mortal e imperfeita – escancara sem pudor, total desprezo ao nobre, ao certo, ao justo.

Quem sabe seja possível, a vinda de um tempo em que uma nova consciência venha germinar novos conceitos a despertar nos espíritos o caminho de um futuro mais são. Quando o respeito mútuo argole, por extensão, o respeito à vida, à família, às diferenças. Quando a humanização da humanidade escale os cumes da evolução e se faça latente em tudo que represente a razão da existência.

Enquanto isso, penso que a ética e a moral são requisições prementes para a construção dessa nova era. Carece, por ser de vital importância, a certeza de deixarmos um bom exemplo, um rastro positivo, uma imagem espiritual em boa estampa para todos os que cruzaram a nossa passagem neste Planeta. Certamente num amanhã, todos eles estarão à nossa espera após a grande viagem, com os frutos bons ou ruins das sementes que lhes plantamos aqui com o nosso modo certo ou errado de ser. Disso, não tenho dúvida.

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CRÔNICA 55

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3 comentários:

  1. Olá, estava com saudades da sua caneta, afinal já não lia um conto seu há algum tempo! Estou alinhado com o seu pensamento. Penso da mesma forma. Entendo que as nossas ações estão constantemente sendo vistas por Deus e pelos nossos irmãos. A pureza da alma, do pensamento, das palavras e atos não podem ficar concentradas no momento da oração. A certeza do perdão da falta não pode ser o facilitador do mau proceder. São coisas simples mesmo que mostram o grau de evolução do ser no cotidiano a exemplo de abrir a porta para alguém, ceder passagem, agradecer, jogar papel no lixo, etc. Aqui e ali observo ruas e rios sujos, o que somente ocorre porque o hábito foi inserido em determinada cultura em decorrência de um fato simples: jogar lixo no chão, jogar lixo no rio. Quando alguem começar a entender que uma boa ação, ao ser observada, induz a prática da imitação e por tabela outra boa ação, no exemplo citado, quando alguem entender que recolher o lixo tornará o ambiente mais saudável, quem sabe outra pessoa a imitará. Assim ocorre nas demais áreas da sociedade...quando o bom exemplo for mais praticado dentro das repartições públicas, no meio político, nas comunidades e sobretudo nas escolas, teremos certamente um povo mais sadio. Bom, eu sei que você falou tudo isso que eu disse agora, contudo na forma da sua insuperável e característica arte. Parabéns por atribuir emoção a palavras e distribui-las com perfeição. Excelente!!!

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  2. Querida Regina,

    O tema que abordou brilhantemente, é extremamente apaixonante.
    Enquanto eu lia, me lembrava do famoso adágio: “as palavras convencem, mas os exemplos arrastam”. Faz um bom tempo, eu abri um tema que recebi de uma amiga, que tratava do assunto. Me lembro algumas coisas como os conselhos dados por um homem a um menino, que orientavam a que este “nunca esmorecesse frente a dificuldades”, “que cuidasse com unhas e dentes das pessoas que lhe são úteis”, “que desse mais valor às pessoas que lhe são caras do que às que não o queiram bem”, etc. Poucos anos depois, esse menino se tornou um grande traficante, dominando um grande território de distribuição de drogas. De fato, lindas palavras e exercícios de formação de personalidade, não faltam em livretos, sermões, palestras e discursos. Temos falta de bons exemplos que arrastem construtivamente a família, a comunidade, a cidade ou até o país.
    "De fato, a verdadeira autoridade do que se fala ou se aconselha, mora na possibilidade de prova e validação de cada palavra proferida"
    Parabéns pela abordagem e elegância na escrita.
    Grande beijo.

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  3. Acho que tu és a reencarnação de um grande filósofo.
    Quanta elegância e sensibilidade...tu sabes extrair lições de cada evento que presencias! Isso é maravilhoso.
    Gostei muito da sua abordagem, pois podemos levá-la para várias áreas, seja ela autoridade de pai, autoridade de governantes ou até mesmo autoridade dentro de um ambiente de trabalho.
    De fato, o exemplo é o que legitima a autoridade de um homem. Interessante entender que estamos o tempo inteiro sendo avaliados, observados e podemos transmitir o bem ou o mal. Lembro, ainda, o quanto um bom exemplo pode mudar o mundo, nem que seja aos poucos. Um bom dia, um gesto de carinho, uma ajuda ao necessitado são atitudes que quem presencia é influenciado de alguma forma a agir do mesmo modo.
    Outra situação me veio à memória, ao ler o conto: o próprio Jesus Cristo ensinou que se deve alinhar as palavras às obras, quando repreendia os fariseus. Ele foi um dos maiores defensores do bom exemplo como fator de legitimação da autoridade, visto que não foi nomeado como filho de Deus por nenhuma autoridade terrena, mas pelas suas próprias obras e exemplo.
    Conto maravilhoso.
    Que o próximo não demore..rsrs

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