sábado, 17 de setembro de 2011

O FAZ DE CONTA NA RAIA POLÍTICA

Era uma vez… Esta expressão tinha o efeito de uma senha para acesso a espaços de outros mundos. Tinha o condão do teletransporte de uma simples mortal, como eu, à Terra do Nunca de Peter Pan, ao País das Maravilhas de Alice, aos castelos de heróis invencíveis e segredos milenares. Qualquer aventura bem traçada com a instigante abertura dessas três palavrinhas ganhava a minha irrestrita atenção. Toda criança de menor ou maior idade já passou por esse portal.

Hoje, sem ir muito longe, percebo que viver num mundo de faz de conta faz parte dos nossos ensaios diários. Em todos os campos da atividade humana, poções engenhosas mascaram a verdadeira aparência de atos, fatos e tratos, mas a mim impressionam os mistérios do mundo encantado na raia política que circunda a nossa República, especialmente quando, no faz de conta para a imprensa, cria “realidades” com premissas irreais.

O frenesi midiático, de forma recorrente, canta aos quatro ventos que o Brasil tem um pé no Primeiro Mundo. Como se possível fosse tal passe de mágica no atual contexto com tantas circunstâncias adversas. Meu leigo pensar infere que existem proezas a cumprir em árdua escalada por pedras e espinhos antes de chegar ao cume.

Mas, nossos políticos e governantes teatralmente fingem que sabem o que dizem, juram que são transparentes no que mostram, que desconhecem o que escondem. E a população, incauta e de pouco saber, anestesiada com bolsas, promessas e outros encantamentos, faz de conta que acredita. Onde estão nossos heróis aclamados publicamente? Nossos supostos salvadores negociam em moedas diferentes das pactuadas nas urnas, barganham potes de vantagens numa teia alinhavada por duendes diplomados em lobby. Os poucos guerreiros combatentes estão extenuados. E o País tem, em seu pergaminho de visitas, registros e análises repletas de certezas da nossa marcha para o Primeiro Mundo. Os personagens do alto escalão apregoam - como mágicos da corte - fórmulas certeiras a garantir um salto para o altar. Minha bola de cristal me diz que há muita ficção, mitos e fantasias nos ares palacianos do Executivo. Penso que com tantas carências sociais não resolvidas, tantas enfermidades políticas crônicas, mesmo com todos os recursos dos contos de fadas, o tão querido Gigante Adormecido corre o risco de continuar em sono profundo por muito tempo, deitado em berço esplêndido.

Nem só de crescimento econômico vive um país para chegar ao topo aos olhos do mundo. Adianta nada proclamar-se potencialmente rico, se os pés estão atolados no charco da injustiça, se os pulsos estão algemados nas formidáveis garras das questões sociais da desigualdade social, da violência, da criminalidade. Se na cabeça, estão camufladas entre os cabelos as sinistras serpentes da corrupção endêmica, da ineficiência dos serviços públicos, da inexistência do respeito ao homem, enquanto cidadão, ou simplesmente gente.

A cura para tais males e feitiços que travam o progresso, tem na democracia o papel principal. Infelizmente, grande parte dos brasileiros está desabituada à reflexão e à leitura. E no tempo certo de votar, ignora o processo democrático com o voto nulo. Tudo culpa dos ventos letárgicos que gruem em suas mentes o rumor do conformismo e da indolência. Em democracia, não existe o imediatismo do “abracadabra”, há que se pensar, conhecer e optar, para colher os proveitos dessa participação coletiva. Democracia é um pacto coletivo, sem o efeito instantâneo do pó de “pirlimpimpim”. É um processo lento em sua construção, mas sua prática torna o presente transformador para um Brasil promissor no futuro. Um futuro com aquela mudança de ser, e não de estar de passagem.

Porém, está distante ainda, de subir ao pódio dos países desenvolvidos, porque além da educação, como pedra filosofal para transformação de um país, tem algo mais complexo e premente, que é a cultura. É daí que se manifestam as relações éticas e sobrevém o respeito repetido às pessoas, às leis, aos direitos alheios. Sobrevém o zelo dentro do silêncio, para com os espaços e os bens públicos, para com a Natureza, para com os valores humanos. E por extensão, outras alterações de comportamento vão gradualmente soltando a velha casca para ingressar em novo habitat. Mas, por enquanto os ouvidos são moucos aos apelos do avanço da mentalidade. Talvez em trezentos anos se opere a evolução social da sociedade brasileira ao tanto de erguer o Brasil a ficar olho no olho com os “donos do mundo”. Enquanto isso, meus anseios patrióticos são como áquilas que planam em círculos à espera de um prodígio. O prodígio da criação dos
nossos futuros guardiões da democracia moldados no barro da educação aprimorada, da formação de atitudes, da referência dos bons exemplos de brasilidade...   

Como romântica incurável, sofro de devaneios ancorados no coração, construindo possibilidades de um novo porvir para o meu Brasil e, quem sabe, passados três centenários, esse enredo seja diferente nas histórias que legaremos aos nossos descendentes, vestidas de um quase-poema:

Era uma vez... um país tropical, abençoado com um estirão de mar a correr em sua costa inteira, quebrando ondas em espumas na praia, de cima a baixo do mapa. Águas abundantes e profundas refletem os azuis de um céu que não se repete, e os verdes vivos de santuários ecológicos com tesouros em jazidas para além dos arco-íris. Lá no horizonte, a liberdade raia com o dia e abre as asas sobre uma brava gente que soube inventar, de suas despertas angústias, uma fonte de triunfos. Assim, essa amada terra chamada Brasil, onde nunca falece a coragem, encontra no peito e nos braços de cada filho desta Nação, as muralhas de suas fronteiras. Essa gente heroica aprendeu que é do exercício da liberdade na democracia que emana sua força e poder para promover novos tempos. Tempos de um Brasil mais ousado, mais culto, mais próspero, mais humano em seus caminhos e conquistas e, mesmo não sendo a personificação do poder econômico num mundo onde impera o mando dos Estados opulentos, logrará ser auspicioso de sonhos e anelos capazes de imanar os formadores de uma Pátria mais fraterna e justa. Aqui se cumpriu a predição da fada-madrinha de nome Esperança, que com seu terceiro olho, previu em cada ajuntamento de brasileiros, a expressão da consciência cívica e social, e hoje, cada habitante deste sagrado torrão, levando nos bolsos os ideais, usa a fala do entendimento e do apreço para o coletivo, como mensageiros da paz, da ordem e do progresso. E assim, o Brasil, por seus filhos amado, poderoso e feliz há de ser... para sempre.

Ainda que incrível pareça, acreditar ajuda a tornar possível.

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CRÔNICA 49
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5 comentários:

  1. Compartilho a desilusão com os meus irmãos de pátria, uma vez que acredito que o momento histórico trouxe uma presidente sem pulso, embora rude no trato. Suas opiniões variam ao sabor das pressões políticas. Basta uma ameaça de sua base política para ela mudar uma política 2 vezes no mesmo dia. Os partidos, por sua vez, aprenderam que com esse governo, a ameaça de abandono e união à oposição é excelente moeda de troca. Assim, até acho que as ações políticas estão mais transparentes...está mais transparente o jogo de interesses da base aliada, está mais transparente a inaptidão política da presidente, está mais transparente o "desgoverno" do Brasil, está mais transparente que os corruptos se sentem bem na sua terra natal, o país da impunidade..e por aí vai. Momentos de reflexão assim são importantes para construirmos ao menos uma consciência melhor. Quem sabe isso seja alguma coisa..um país melhor dependeria de uma população melhor alimentada, melhor educada, melhor assistida..isso é a última das preocupações da classe política levada ao poder pela mesma população esfomeada, sem ensino e abandonada. Parabéns pelo conto!!

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  2. De fato, Regina, é nítido, para os que possuem algum discernimento político, a farsa estabelecida pela mídia...Tenta-se disfarçar as de todas as formas as mazelas de nosso povo, sendo estampado para os quatro cantos do planeta como uma potência! Uma manifestação clara da nossa realidade é as condições para receber a copa e as olimpíadas: quanta desorganização, corrupçao e falta de vontade política! O Brasil está perto de ser envergonhado mundialmente. É preciso encarar nossas inúmeras deficiências, principalmente no que tange às questões sociais.
    Traz a mim uma dor falar de nosso país, mas louvo seu enfoque na esperança, sentimento esse que todos nós não podemos deixar de ter, ainda que esteja longe a mudança! Esperança sempre!

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  3. No mundo da política, nada é por acaso. Fantasiar faz parte do cenário político, Tudo ali tem função. A trama manjada é endossada por um roteiro maquiavélico.
    Quando Abraham Lincoln foi eleito presidente americano, em 1860. Cada concorrente discursava uma única vez, ao anunciar a candidatura. Apresentava propostas de governo e saía de cena para o povo refletir sobre o melhor caminho. Quanta diferença. Resta-nos a esperança como nos contos de fadas, há um super-herói, há pessoas como você que observa e através dos seus contos denuncia, e nos leva a reflitir sobre esse nosso país. Parabéns, excelente

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  4. Simplesmente, uma ótima mensagem. Achei interessante os traços de "conto de fada" no texto. Acredito que a democracia no Brasil é uma mera fantasia e será até que a nossa cultura política mude para realmente incluir todos no destino de nossa nação.
    Mas, no momento, o nosso processo político é um "faz de conta". Tenho esperança que talvez daqui a trezentos anos seja diferente!

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  5. Por falar em era uma vez... Lembrei de uma campanha comercial: Certas coisas não têm preço, para todas as outras existe Mastercard.
    Imagino que a consciência política de um povo ainda está fora da alçada do Mastercard, o quê torna difícil traduzir o razoável progresso econômico da nação em progresso educacional e ético.
    Apesar disso, encerro no mesmo tom de esperança da autora recorrendo a um curioso adágio: quem diz que o dinheiro não compra a felicidade, é porque não sabe onde fica a loja. Ou seja, as moedas nos bolsos dos brasileiros, quem sabe um dia, sejam trocadas pelo exercício da cidadania consciente.

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