sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

UM TRATO NO CORPO, UM LUSTRE NO ESPÍRITO


De tão cedo, o relógio ainda bocejava na manhã antes de bater as horas para autorizar a abertura do shopping. Nem transpus a porta e já o celular me avisava do adiamento do meu compromisso no complexo daquele mundo de lojas. Um cappuccino na minha cafeteria preferida me pareceu um passatempo animador para tolerar a longa espera. Enquanto folheio um periódico adquirido na banca, o atendente da praça de alimentação desfila um carrinho com diversas bandejas transportando um desjejum extravagante a despertar a curiosidade de quem estava por perto: grande volume de salgados, frituras e massas, provavelmente destinado a um grupo de pessoas. Com o olhar espiando por cima da revista aberta, acompanhei discretamente o trajeto da encomenda para confirmar o destino. Para minha surpresa, a mesa a ser servida tinha simplesmente duas pessoas: mãe e filha criança, criaturas supostamente normais, ambas do tipo com um estômago só em cada abdômen. Voltei a me concentrar em meus papéis, e depois de algum tempo perdida em anotações acompanhadas do terceiro café, reconheci pela vidraça a silhueta das duas protagonistas deste acaso na saída do shopping: caminhavam, sem pressa e sem qualquer proteção, para o estacionamento aberto com o céu ruindo em tempestade, dessas que golpeiam os ossos e maceram a pele com lambadas de chuva densa. Não me atrevo a tecer qualquer comentário sobre o que vi, mas saltou à minha fronte o antigo brocardo latino: "Mens sana in corpore sano."

Tenho uma certeza inquestionável de que o nosso corpo é um empréstimo concedido pela graça divina para veicular a evolução da nossa alma imortal, portanto, um santuário a ser tombado pelos cuidados de seu detentor enquanto viver sob a condição humana no plano físico.

O grande Mestre da humanidade – o Sublime Galileu – nos deixou a fórmula completa para o melhor viver do lado de cá: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Daí se conclui que para verdadeiramente amarmos a Deus, deveremos amar ao próximo e também a nós mesmos. Gostarmos e cuidarmos de nós mesmos são ditames da consciência para cumprirmos o propósito da nossa evolução.

Os cuidados a que aqui me refiro estão na procura da saúde no sentido de completo bem-estar físico, mental e espiritual: tratar o corpo, lustrar o espírito e dominar a mente. Os antigos defendiam a tese do ser humano integral harmonizado com as forças cósmicas e divinas na tripartição: corpo, mente e espírito. É importante compreendermos que, de um modo geral, excluídas as exceções por infortúnio, tanto a saúde quanto a enfermidade germinam da mente, das emoções e dos sentimentos, assim como também estão estreitamente relacionadas com o estado de perturbação ou tranqüilidade da alma.

Hodiernamente, na busca do bem-estar idealizado para uma vida o mais feliz possível, fugimos da morte e convergimos nossos esforços para alcançarmos mais tempo de vida, mas descuidamos da fonte de abastecimento vital que é a essência incorpórea - o espírito. De diferentes formas, asfixiamos e enterramos o amor em sepulcros recônditos fora do coração, nos distanciamos do Criador, descompomos o nosso semelhante, aviltamos a nossa mãe Terra, nos tornamos fragmentados e intoxicados e nos arredamos da nossa parte imaterial, a nossa alma. Ficamos aprisionados no meio do nada, onde o céu tem um limite e o horizonte tem um fim. Há que se abrir a mente, soltar as amarras contaminadas do pensamento para atender as necessidades que a própria Natureza indica.

O apetite voraz da cena de hoje cedo no shopping, me remete o foco aos muitos “pecados” que colecionamos hoje para nos penitenciarmos com dor e sofrimento depois. A gula desenfreada, por exemplo, abre as portas mais cedo para a grande passagem para a outra dimensão. O consumo descomedido de açúcar, sal, gorduras saturadas, anilinas e outros venenos provocam doenças limitadoras e irreversíveis. O sedentarismo, os vícios, a falta de asseio encurtam o nosso tempo de validade. Se praticamos alguns tantos desses abusos contra o nosso organismo, teremos cometido um atentado contra a nossa saúde e comprometido a nossa integridade física. Não podemos apenar o nosso corpo pelas violações que o nosso livre arbítrio nos instigou a cometer e pelas quais seremos responsabilizados. Nesse ponto, já não adianta nos visitar o remorso, não adianta mais soprar a dor para doer menos.

Uma outra forma de invocar a dor ou a agonia é a nossa permissão para o trânsito de energias negativas nas nossas ideias, pontuando a nossa rotina e alojando-se no nosso âmago. Os gritos que a nossa alma solta em silêncio nos expõe ao perigo da desestruturação emocional e física pela somatização dessas chagas apodrecidas no nosso interior. Se insistimos em pensar ou lembrar de males, doenças, mágoas e desgraças, atrairemos todos esses malefícios para a nossa pauta. Açoitar o coração com tantos tormentos é morrer mais depressa. Assim, o mau uso do viver, do sentir e do pensar, fatalmente nos levará, por caminhos mórbidos dolorosos, a paisagens sinistras na nossa realidade. Carece enxergarmos com os olhos da razão que as nossas escolhas, os nossos hábitos de hoje nos dirão como marcharemos para a idade avançada, como desfrutaremos da velhice no futuro, como nosso corpo reagirá aos mistérios nus que a nossa vivência guarda.

O corpo é o instrumento da alma, de uma alma cativa da carne. Para que não morra lentamente a cada amanhecer, para esticar o tempo até muitos outros amanhãs, é imperioso o resguardo de todas as funções para permitir uma longevidade ativa, e desse jeito aprendermos mais lições sobre o que queremos, quando somos guiados por um querer maior que nós. Espírito em equilíbrio requer um corpo disposto. Por se acharem em dependência mútua, importa cuidar-se de ambos, pois se maltratarmos o nosso corpo, aonde vamos morar?

Não precisamos de um decálogo complexo para a busca da saúde plena nos dois desdobramentos do ser vivente: material e imaterial. Na cartilha da convivência, o segredo da ciência de viver está naqueles ingredientes simples e básicos que aprendemos com os pais desde a infância para uma vida longa e satisfatória. Assim, para um trato no corpo a bula recomenda: uma vistoria clínica por ano, baixa ingestão de alimentos (e de alimentos mais naturais), bastante água, caminhadas diárias regulares, hábitos de higiene, respiração profunda algumas vezes ao dia. E para um lustre no espírito, a receita infalível: sorriso frequente até para si mesmo, pensamento positivo, respeito ao próximo, bom-senso em tudo, exercício sistemático do perdão, sintonia com o Supremo Provedor através da oração de agradecimento.

E todos os que crêem deveriam cunhar dois agradecimentos nas duas faces de uma moeda de gratidão. Em um dos lados: “Senhor, obrigado pela chance de ter um corpo para melhorar meu espírito aqui na escola terrena.” E na outra face: “Obrigado, Senhor, por eu ter a Tua essência divina, por eu ser mais que um corpo.”

E que dobrem os sinos, ecoem os sons das trombetas celestiais e os Arcanjos digam: “Amém”.


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CRÔNICA 30
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5 comentários:

  1. Olá..tudo bom? O seu conto de hoje é um dos que vou reler periodicamente porque provoca a reflexão acerca dos males que fazemos com nós mesmos. Concordo em todos os termos, pois inúmeras vezes somos tolerantes com os excessos de toda sorte e fazemos questão de ignorar o reflexo que terá em nossos organismos, a aexemplo de noites propositalmente em claro, bebida alcólica exagerada, encher o prato e depois encher denovo, enfim, possuimos nós, seres humanos, pelas mais variadas razões, hábitos que acabam nos levando, como acertadamente dito em seu conto, mais cedo para o outro lado da vida. Eu mesmo tenho inúmeros desses hábitos...Obrigado pelo puxão de orelha! Vou ouvir a lição, espero ter força de vontade para mudar. Mais uma vez, parabéns. Sua arte tem o efeito inverso dos maus hábitos, alimenta e engrandece o espírito!

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  2. Querida Regina,
    Amei o tema que abordou nesta crônica! Amei mais ainda como abordou algo tão presente no nosso dia-a-dia e deixamos passar alguns detalhes tão importantes.
    A beleza e sabedoria que expôs são dignos de aplicação em nossas vidas em cada minuto que respiramos, por isso tudo é muito nobre e enriquecedor.
    Tenho que ressaltar, com louvor, o penúltimo parágrafo onde aborda a necessidade sincrônica dos cuidados com o corpo e espírito.
    Faço academia de musculação e vejo quantos lá freqüentam com o intuito puro e simples de “construir um templo pra alma” repleto de acabamentos e perfeições “arquitetônicas”. (É certo que uma minoria também cuida da “matéria prima” dessa construção fazendo uso de alimentação sadia). Bastam duas ou três frases para observarmos uma alma ou um espírito sem consistência, sem amor, sem afeto e com os braços nunca estendidos. Pra que um templo assim?! Os anos vão se encarregar de deteriorá-lo por melhor que tenha sido cuidado e “esculpido” ao passo que os anos aperfeiçoam e embelezam o que a gente porta de mais importante e eterno.
    Por isso concordo plenamente que devamos cuidar ao máximo do corpo que Deus nos emprestou para servir de instrumento da perfeição da alma, mas tais cuidados precisam ser estendidos ao nosso espírito e alma. Você foi de uma felicidade divina em abordar dessa forma.
    Não posso deixar de te dizer que “você criou mais uma pérola para a Vida”!
    Obrigada, amiga! Sempre soube que veio a este mundo para fazer a diferença mesmo.
    Beijos

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  3. Regina, é a primeira vez que visito este diretório e sinceramente achei excelente seu conto. Maravilhoso, mesmo. Concordo com o Ulysses, realmente este é um conto para ser relido todos os dias, pois faz bem ao corpo, à mente e ao espírito. Parabéns e continue escrevendo coisas maravilhosas como estas.

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  4. Oi? Eu denovo...só para dizer que resolvi começar academia na próxima semana. Sem falar que estou tentando controlar mais minha alimentação..tudo graças ao seu conto. Abraços e obrigado!

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  5. Concordo que cuidar do corpo seja alg extremamente importante para o ser humano. Defendo a prática de atividades que exijam e contribuam para o bom funcionamento do corpo e da mente como caminhadas, trilhas e meditação.

    Ao contrário do que preso,recentemente experimentei um aumento de peso sem saber afirmar qual é a causa.

    Não foi algo consciente, e minhas atitudes conscientes foram para combater o engordamento. Mas, aconteceu...

    No momento, graças a Deus, ainda não afetou minha saúde, mas tenho medo que possa vir a afetar, uma vez que aquilo que somos hoje está concatenado com o que seremos no futuro.

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REGINAFalcão