sábado, 27 de fevereiro de 2010

TEMPO DE PLANTAR E TEMPO DE COLHER


Um chuvisco insistente alagava as ruas e salpicava água fria no ânimo de motoristas e pedestres. O congestionamento desautorizava qualquer fuga por outra via. O bom senso recomendava o bom uso da santa paciência naquele trânsito travado do meio-dia. Então um movimento no meio do canteiro central me chamou o olhar: quatro adolescentes com os uniformes ensopados, na folia da chuva, extraíam as alças de suas mochilas num ato coordenado. Agachados sobre a grama encharcada encadearam rapidamente todas as peças formando uma única faixa. Mais acima, estava o motivo da operação em regime de urgência: uma Sibipiruna jovenzinha e indefesa, golpeada ao meio desde o topo sem razão aparente. Seus galhos pendentes divididos pelo golpe passavam a idéia de suplicar ajuda. Nesse momento, um dos moleques sobe descalço nos ombros do outro e pressiona os dois lados feridos do caule para unir novamente as duas metades, enquanto a outra dupla, com esforço obstinado, circula o cinturão de alças para prender o curativo. O semáforo liberou o tráfego e a cena me saiu da vista. Não sei se vai funcionar a tentativa dos abnegados garotos, mas o gesto de planejar espontaneamente o salvamento da pequena árvore sob condições desfavoráveis, danificando um objeto pessoal com o intuito de servir, me estampou um anúncio de que a humanidade tem cura e o futuro promete. Chovia lá fora, mas abria o sol dentro de todos os que, ali, azeitaram a esperança na consciência ecológica da nova geração.

Tenho um gosto especial por árvores. Todas, desde as nativas que crescem livres na Natureza, a tingir os nossos olhos com as cores das suas floradas ou com os matizes de seus verdes vivos.

Esta paixão pelo verde tem raízes na infância quando adotei um coqueiro que despontou no meu quintal com disposição de vingar. Tinha um formato único, pois era anão e robusto. Faceiro e bem cuidado, exibia-se vigoroso, livre de pragas. Vaidoso, tremulava as palmas ao vento para enfeitar as folhas de brilho na luminosidade do sol, mas ansiava pela lua, pois nela via refletida a produção de sua exuberante carga. Parecia interagir comigo, oferecia-me agasalho aos seus pés durante o dia, mas à noite, entre frestas de silêncio, tornava-se circunspecto. Junto à base do seu caule, demarquei um pequeno espaço para amanhar um míni jardim que ganhou o foro de um portal para a minha imaginação. Recostada em seu tronco num banquinho tosco de prancha, eu cavava com as mãos uma nuvem para plantar um céu de respostas para as minhas indagações sobre os “porquês” deste mundo. Todas as tardes, na volta da escola, ia eu visitar “minha árvore de estimação”, deixar três batidinhas de agrado em sua casca, espreitar o concerto da passarada a se aninhar em seus cachos, e me abismar com o crescer das frágeis mudinhas de begônias em volta de sua raiz, rebentando do ventre da terra para a vida. Muito aprendi nessa fase que foi um marco para a minha história de vida. Um tempo de ver florir descobertas e construir com elas umas asas novas para sobrevoar o futuro à espera que os ventos me levassem para as verdades escondidas no Universo.

E desde então, já dentro de novos dias, às arvores rabisco poemas. Por onde ando, tenho plantas cultivadas sobre a minha íris. A arvorezinha salva pelos quatro mosqueteiros deste acaso, por exemplo, é uma das minhas eleitas no meu caminho diário, catalogadas e mapeadas automaticamente pela minha mente.

A Natureza é pródiga em beleza e ensinamentos. A oportunidade de coexistirmos com a Natureza nos traz infinitas lições para a nossa vida prática. Precisamos apenas entender e trabalhar com as leis naturais para apurarmos o instinto de melhor viver. Um simples verde tem muito a nos dizer. Se observarmos com atenção, as fruteiras produzem uma carga volumosa de frutas, muitas delas com dezenas de sementes. Uma laranjeira, por exemplo, pode frutificar até mais de 500 laranjas numa única árvore e cada laranja retém mais ou menos 10 sementes. Para que o armazenamento de tantas sementes? E a Natureza, em sábia resposta, vem nos mostrar que a maioria das sementes se perde na semeadura. Portanto, se quisermos que algo nos advenha ou se torne concreto, é preciso tentar mais de uma vez, muitas vezes ou quantas vezes preciso for. As pessoas bem-sucedidas, porque tentam mais vezes, falham com maior frequência, mas atingem o sucesso sempre porque arriscam mais sementes.

Considero, também, inspiradora para os humanos, a transformação do tenro broto cuja raiz migra para o fundo mais fundo à procura de água e nutrientes para converter-se num frondoso e copado tronco em torno do qual se revela a capacidade da planta em se doar, em se esgalhar, em se estender para abrigar. Defronta-se com o sol cuasticante, os vendavais e a mudança das estações. Seus galhos se envergam e se desfolham quando o vento passa, mas de pronto se refazem para receber novos ramos verdes. Assim, se queremos de fato nos aproximar da perfeição, temos na árvore o melhor espelho para aprofundarmos e fortalecermos nossas raízes no solo firme da nossa formação e dele retirarmos energia das fontes divinas que se encontram no mais remoto do nosso íntimo. E se interiorizarmos o aprendizado de cada dia, teremos nutrição de sobejo para nos tornarmos intrépidos no amanhã. Quando os estrondos dos temporais soarem e os ventos tempestuosos soprarem trazendo as intempéries da vida e desfolhando a nossa autoconfiança, resistiremos bravamente e acreditaremos que dias melhores nos abrirão espaço para novas forças.

E a abençoada árvore prossegue nos ensinando em alta voz: assim como ela aconchega em sua sombra amiga todos os que por ela passam exaustos em meio à caminhada, podemos também oferecer, no regaço da nossa boa-vontade, atitudes de incentivo ao irmão abatido, sofrido ou injustiçado que nos procura faminto de esperança; do mesmo jeito que ela disponibiliza em abundância o saudável e valioso alimento, podemos, igualmente, distribuir os frutos de nossa melhora espiritual, e; tal qual o sândalo, podemos, com as flores do coração, perfumar os dias daqueles que precisam ou estão perto de nós, ainda que nos firam.

Outras muitas mensagens nos chegam de todo o sistema das coisas criadas pelo Todo Poderoso, se deixarmos aberta a porta do coração. Se queremos progredir na estrada que traçamos para o nosso breve trânsito terreno, precisamos escutar a Natureza, enxergar além da matéria e aprender com a vida à nossa volta.

Há tempo para tudo aqui embaixo na Terra e lá em cima nos céus. Tempo de plantar e tempo de colher. Espalhar o verde, plantar uma semente ou uma mudinha, cuidar de uma plantinha ou de um “pé-de-fruta” qualquer, é um ato de amor que faz bem a todos: a nós mesmos, aos seres vivos, ao Planeta. Levaremos para a grande viagem um bônus de valor expressivo, porque todo ato de amor tem peso razoável contra os nossos débitos quando da nossa chegada diante do Supremo Arquiteto da Criação.

Plante um verde, isso vai lhe render bons frutos deste lado e do outro.

....................................................................
CRÔNICA 31
Mande um recado pra mim, comente este conto.
Poste um comentário!

4 comentários:

  1. Entrar no blog e encontrar um novo conto seu causa uma sensação no mínimo instigante. A leitura inicial é exigente e nenhuma letra escapa à observação. Busco os sentidos das frases que ao longo do texto se desenvolvem feito uma corrente de mãos dadas em ciranda de crianças. Sempre parecem eclodir na minha mente como um vulcão as mensagens que você passa. Esse conto não é diferente. Do começo ao fim é símbolo de harmonia e ao mesmo tempo que deixa uma linda lição, consola. Esquecemos que estamos sob o olhar atento e a proteção da Divindade, como as plantinhas do seu jardim que estavam sob a sombra do seu coqueiro. Recebemos gratuitamente os dons e incansável acompanhamento do Senhor e facilmente nos furtamos de dar algo bom de nós a alguém. Só um sentimento me vem à cabeça após a leitura desse conto, a fraternidade. Passarei a semana tentando ser mais fraterno. Se eu esquecer, voltarei aqui para nova reflexão. Mais do que parabéns pelo conto quero dizer ... muito obrigado!

    ResponderExcluir
  2. Querida amiga,
    Só mesmo por uma luz divina, é que uma pessoa consegue transformar em poema e lição de vida o que veríamos simplesmente como “casos corriqueiros com vegetais”!
    Impressionante como você tem o dom de descrever cada cena com a ótica do coração! Cada paisagem que se forma quando escreve, torna-se uma passagem viva, valorizando ao alto nível as obras do Criador.
    Passa-me que uma planta, não é simplesmente uma planta, mas um ente capaz de nos fraternizar pelos seus problemas e nos encantar pelo que pode nos oferecer.
    Até hoje, os poetas exploram a beleza das flores e seus perfumes, mas o espírito, a alma, a vida de uma árvore, só vi “humanas” nas suas frases.
    Fico mais feliz ainda em poder te dizer que Deus também o fez com você, como faz diariamente com suas plantinhas: colocou uma semente linda e cheia de vigor num solo fértil, cuidou com os fertilizantes do amor, carinho, meiguice, inteligência e disposição até que essa sementinha pudesse se transformar uma altiva “árvore frondosa” a distribuir flores, frutos e sombra a todos os de deles precisam. Amanhã o Criador estará em festa, com um olhar radiante ao observar sua majestosa criatura completando mais um ano de florescência, de produção e distribuição de nutritivos frutos e com incansável copa sombrosa e fresca.
    Mais uma vez, obrigada, amiga! Eu sei que não somos eternos, mas tenho certeza que está eternizada nos nossos espíritos pelo seu carisma e valor.
    Regina... = Rainha
    Portanto, “Vida longa à Rainha!!!”
    Um milhão de beijos e obrigada por você existir! Voce é única!

    ResponderExcluir
  3. Minha querida,

    Seu blog deveria se chamar "como viver melhor"...
    Maravilhosa a analogia da semeadura e colheita. Princípio este que transforma a maneira como construimos nossa vida! É interessante pensar no momento mais difícil do processo de realização dos sonhos: a semeadura! Semear requer coragem, determinação e acima de tudo FÉ, a qual nos motiva com a certeza daquilo que não estamos vendo! E recentemente esta tem sido uma das minhas reflexões.
    Na oportunidade confesso a minha admiração por você, sua determinação em lutar por uma vida melhor, seu coração que nunca deixa de sonhar (e como isso é importante), sua energia contagiante cuja força me alcançou com uma imenso desejo de vencer, lutar e sempre sonhar. Não sabes o quanto isso foi importante pra mim e, por isso e muito mais, só tenho a agradecer a Deus pela sua existência.

    Parabéns por mais um ano de vida!!!!

    e pelo conto também..rsrsrsr

    ResponderExcluir
  4. Nunca tinha sacado a lição da natureza sobre a semeadura, muito interessante mesmo. Realmente, acho que está em tudo. São muitos os espermatozóides, são muitos os filhotes de tartaruga, as ovas de peixe, as sementes... vou meditar neste trecho, muito bacana.

    ResponderExcluir

Obrigada por participar do Blog, comentando este artigo.
Aguardo o seu retorno no próximo conto.
E não se esqueça de recomendar aos amigos.

REGINAFalcão