segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

MEU INDULTO DE NATAL


Da minha janela, no olho da noite, diante de um céu negro furta-cor, vejo algumas poucas estrelas tiritando de frio sob um manto de neblina. É a estação do inverno trazendo o clima das festas de fim de ano. Vejo, também, o ano de 2009 correr apressado mundo afora para recolher-se em seu crepúsculo após cumprir sua trajetória neste terceiro milênio da era cristã. É o século XXI que prossegue e traz o promissor ano de 2010 a bater à porta do tempo. Tempo de confraternizações a brindar a humanidade com mais um Natal. À sua aproximação, a Terra se transforma, pulsando com as vibrações dos festejos que se desprendem das intenções das pessoas.

Mas, descendo o olhar para a rua ricamente ornamentada com piscantes natalinos, vejo o velhinho cansado que arrasta os pés sobre um chão de solidão e insegurança, caminhando trôpego para lugar nenhum. Vejo crianças com rostinhos apagados, causticadas pela miséria, sujas de abandono, à procura de comida nas lixeiras para abrandar a fome de cuidados. São criaturas de Deus que certamente, na passagem da noite mais iluminada de todas, não terão sequer uma migalha dos manjares, uma fagulha de calor humano ou mesmo um fragmento de paz.

Então me volto para o firmamento nublado com as nuvens perfiladas para o desfile de uma grande chuva, e busco nas entrelinhas desse mistério a interpretação do verdadeiro espírito do Natal. No meu modo de pensar, o Natal é mais que um tributo às tradições; é mais que um efêmero espasmo de ofertas de prendas ou presentes caros; é mais que uma estratégia de marketing, comércio e lucro manipulada pela mídia; está muito além da superficialidade das alegrias vazias que se repetem nas festas. A celebração do Natal sem a sustentação da sua essência nulifica seu verdadeiro espírito.

A ideia mais importante a reter nesta época é o renascimento do Mestre do Amor em cada coração, para viver com cada um em todos os dias do ano: é hora de desembrulharmos as bênçãos recebidas e distribuirmos esperanças; é hora de compormos na pauta de cada gesto, as notas musicais do perdão para a grande orquestra do amor afinar seus acordes no nosso sagrado interior; é hora de reacendermos o farol da fé para abrigarmos o presépio na lapa do nosso campo energético e assim enfeitarmos a nossa aura com a beleza do brilho da gratidão; é hora de afiarmos nossos melhores dotes para agirmos com caridade ao socorrermos o próximo aflito naquilo que recebemos em abundância. Penso que é assim que honramos o Natal, sem barreiras temporais, para conservarmos, de janeiro a dezembro, todos os propósitos firmados sob os fluídos mágicos desta época.

Dentre os intentos com mais forte apelo, para mim, está o perdão. "É perdoando que se é perdoado", pregava São Francisco, e o perdão foi o grande clamor da cruz a ressoar até nossos dias como princípio da paz comungada com o semelhante. Perdoar é o triunfo da misericórdia sobre o ressentimento. Cada ato de perdoar verazmente o inimigo torna-se Rito de Passagem para uma vida sã em todos os sentidos, porque o desafeto perde o potencial de fogo destrutivo capaz de gerar manifestações patológicas físicas e mentais no nosso organismo pela somatização dessas mazelas da alma. Quando conseguimos perdoar os ofensores, cortamos a fonte que alimentava o cordão umbilical e eles “apagam” dentro de nós, ou seja, lhes é tirado o papel de realce no palco da nossa mente e assim, além de desonerarmos o nosso devedor, esterilizamos a nossa consciência para retomarmos a posse plena das nossas faculdades.

Mas, eu vou mais além: se além de esquecermos o malfeitor através do perdão, conseguirmos esquecer o dano que nos causou, teremos conseguido indultá-lo. Desta forma, além de deslocarmos o faltoso para escaninhos sem nenhuma importância, também são expurgadas as mágoas que nos mantêm reféns de nossos sentimentos negativos e de suas terríveis conseqüências. O indulto, portanto, é um ato de clemência extinguindo o cumprimento de uma condenação imposta ao sentenciado. Melhor dizendo: indultar implica na revogação da punição pelos erros cometidos. Perdoar e indultar eu diria que é, antes de tudo, um ato de amor a si mesmo e de autopreservação. Não é o outro quem mais se beneficia, somos nós.

Este ano, além do compromisso com o meu próximo, me proponho a fazer algo também por mim. Imbuída pelo verdadeiro significado do Natal, aproveito as emanações positivas desta fase impregnada de espiritualidade para formalizar meu desígnio: “Num singelo ato de clemência concedo, em caráter irreversível, o indulto de Natal a todos que, a meu ver, fizeram-me mal nesta ou em qualquer outra existência, em qualquer lugar ou em qualquer plano. Perdôo-lhes todos os débitos, livro a todos da culpa, desobrigo-os de todas as pagas. Eu os libero com amor".

Essa é a melhor de todas as formas que eu poderia encontrar para presentear a mim mesma neste Natal.

E assim, antes de fechar a janela eu me dirijo ao espaço cósmico, agora inteiramente cortinado pela escuridão da madrugada, insondável em sua amplidão, e formulo ao Universo os meus desejos de Natal: “Que cada um de nós, inclusive os visitantes e leitores do Blog, possa levar, como instrumento de paz: um pouco de luz para o inculto; uma parcela de compreensão para o insensato; um naco de poesia para o insensível; um exemplo bom para qualquer criança; uma chama de afeição para os entes queridos; uma chance ao irmão errante; uma reforma no mundo, a começar por nós mesmos”.

A todos os que tomarem ciência destas linhas aqui escritas, auguro votos de um Ano Novo cheio de oportunidades para: abraçar, emprestar os ouvidos, aprender, ensinar, sorrir, estender a mão ainda que enfaixada... e, principalmente, agradecer.

Feliz VOCÊ em 2010!


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CRÔNICA 28
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5 comentários:

  1. Começo a comentar o seu conto, dessa vez, profundamente tomado pela emoção. Como sempre, esperava encontrar uma lição de amor ou um conto que me "tirasse" da Terra e me levasse em uma viagem encantada, mas o que recebi, ao ler o conto, foi um sublime ensinamento. A inspiração que lhe movimentou certamente é das mais cristalinas. Espero que seu conto seja lido por pelo menos o dobro das pessoas que costumam visitar seu blog, ainda que não deixem comentário. Ser capaz de perdoar a quem fez mal e se desprender do rancor, verdadeiramente, é virtude de poucas almas aqui na Terra. Tal grandeza é inerente aos espíritos de luz que se colocam sempre a nos guiar, sob o olhar de Deus. Quem sabe um desses anjos incansáveis na arte do perdão estiveram tocando suas mãos quando escreveu o conto fazendo de você também um instrumento a serviço do Senhor para educar um pouco nossos corações ainda em evolução? Quem sabe? Um grandíssimo e quente abraço para você e um belíssimo Natal. Parabéns! Parabéns!

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  2. Querida amiga Regina,
    Que gostoso ler e reler mais uma crônica sua...
    Eu já vi artigos, propagandas e até sermões a respeito do Natal e associado a congratulações e perdão mas uma crônica desenvolvida com essa silhueta, confesso que me deixou abismada!
    Você conseguiu desenvolver um “caminho de abordagem” que levou desde o contemplativo do início, passando pelo reflexivo chegando ao coercitivo pelo seu exemplo arrebatador.
    Acredite, Regina que foi uma verdadeira lição de como o mundo ao nosso redor pode verdadeiramente nos levar ao sublime aprendizado, sem a necessidade de um professor ou um doutrinador.
    Nós, pobres mortais, sabemos o quanto é difícil perdoar de coração e fazer de cada mácula uma decoração nas nossas vidas mas sabe porque? Porque não trazemos na alma a pureza que o Menino Deus presenteou você! Eu já escrevi em outra era que você não é deste mundo, cheio de escárnio e lindas palavras que só fazem sentido por si só e em épocas oportunamente comerciais; melhores ainda quando reveladas em períodos nos quais os sentimentos estão à flor da pele como Dia das mães, dia dos pais, dia das crianças, Natal, etc... Para quem te conhece, existe a certeza de que escreve como que psicografado por uma alma ímpar e cheia de luz.
    Obrigado, AMIGA.
    A cada dia que passa, tenho a certeza que você consegue, com maestria, transformar os minutos vividos em enciclopédia de doçura e bem viver, agora aberta nas deliciosas páginas de suas crônicas.
    Deus continue te protegendo pois ele ficará sempre feliz por ver um Anjo da terra seguindo passo a passo os ensinamentos do Menino Deus – seu Filho!
    FELIZ NATAL! Adoro você!

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  3. Nesta data tão especial celebramos o nascimento de Jesus, porém esquecemos que ele veio ao mundo com um propósito: morrer na cruz para redimir a humanidade!
    O amor e o perdão são a essência da encarnação de Jesus. Praticamos boas ações, trocamos presentes e festejamos com quem amamos, mas não estamos dispostos a fazer o Natal valer verdadeiramente, abrindo nossos corações para o perdão.
    Você resgatou o sentido do sentido do Natal!!!!

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  4. O Natal é, uma data, um momento para que façamos uma viagem para dentro de nós mesmos e meditemos sobre o que vimos fazendo, como o vimos fazendo, e todos os nossos porquês. E buscarmos acima de tudo, perdoar. Mesmo com toda a perca de valores, que estão na origem desta genuína festa da família, o Natal continua a aquecer os corações, e a fazer-nos relembrar a nossa capacidade de perdoar os erros cometidos por outros seres humanos. E lembrar-se do grande aniversariante “Jesus” Ele nasceu para trazer paz ao mundo. E gostaria de agradecer o lindo presente que me foi enviado. Um livro de poesia do meu autor favorito Vinicius de Moraes. Só as pessoas com grande sensibilidade e gosto pela a leitura poderia presentear com “Antologia Poética”. Amei, que o Senhor do Universo, Deus Forte, Pai Eterno lhe abençoe e continue lhe capacitando em 2010.

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  5. Realmente, quem mais ganha com o indulto de Natal é quem o concede.

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REGINAFalcão