terça-feira, 29 de setembro de 2009

UMA SELEÇÃO “DIFERENTE”


No primeiro Sábado deste mesmo Setembro de 2009, estava eu frente à TV à espera do jogo entre Brasil e Argentina a disputarem uma das quatro vagas sul-americanas para o Mundial da África do Sul em 2010. Todo brasileiro que se liga em futebol na Copa, mesmo que por um vago ardor patriótico, investiu rezas e promessas a pagar com juros para ver o Brasil classificado, garantindo, mais uma vez, presença na Copa do Mundo.


Na versão dos entendidos, tratar seriamente de futebol é algo admitido somente aos jornalistas. Uma corrente de chauvinistas também assegura que futebol é assunto ligado ao universo masculino. Para mim, o esporte é arte, é uma das mais interessantes ocupações do fazer humano, onde valores humanos individuais e coletivos se comunicam positivamente. No futebol, sou atraída pela instigante estratégia para buscar a vitória. Também aprecio a beleza surpreendente de um primoroso drible. Vibro com os lances elaborados com talento na condução da dança de uma bola repentina, imprevisível e caprichosa. E quando se trata do futebol da Seleção Brasileira, confesso: é paixão sem limites me queimando nas veias um verde-amarelo abrasador.

Durante o jogo, lembrava-me que no momento em que os jogadores vestem a camisa da Seleção e entram em campo, suas pernas são movidas pelas batidas de milhões de corações brasileiros a produzirem uma onda magnética poderosa, apontando o caminho aberto para o gol. É uma unanimidade nacional, na esperança de manter a nossa excelência no futebol: aqui, acabam-se todas as divisões; dissipam-se todas as diferenças econômicas e políticas, etárias ou sexuais; misturam-se todas as castas, credos e raças existentes em nosso território para empenhar o coração a cada passe.

Mas, nesse dia, depois do jogo, percebi rupturas que fragmentaram o meu entusiasmo pela Seleção Canarinho. Uma euforia estremecida me sussurrava um certo desgosto (ou desgaste?) acumulado diante de uma Seleção “diferente” para o mesmo Brasil.

Consta registro em minha memória, que até 1982 o Brasil tinha uma relação de amor com a sua seleção de futebol: além da conquista, à época, de três taças, apresentava-se em sensacionais partidas nos estádios brasileiros à guisa de espetáculos de primeira grandeza, orvalhando os nossos olhos com a performance dos seus ases. O Brasil tinha uma predisposição para produzir os grandes mestres de chuteiras a tocar a bola – a sedutora esfera, objeto de desejo em campo – com extraordinária precisão e genialidade. A convocação de um craque tornava-se a mais alta honraria conferida para a consagração na carreira. Esses mesmos jogadores, quando fora da seleção, atuavam aos domingos, defendendo a bandeira das suas agremiações em terras brasis. No fragor doméstico, transitavam entre a idolatria e a hostilidade do torcedor devoto mas, ao vestirem a camisa amarela, recebiam a procuração de cada brasileiro para chutar a bola em nome da Pátria.

Vejo, com um saudosismo insistente em me alastrar de reservas, que não é mais assim. Há muito tempo a Seleção é apenas um agrupamento de jogadores com atividades no exterior, defendendo emblemas estranhos aos nossos sentimentos. Já não nos brinda em casa, em nossos estádios, com o desempenho brilhante de seu plantel. E na última Copa, a Seleção convocada na Europa não veio até o solo brasileiro, nem mesmo para protocolar a confiança do povo que representava diante do mundo.

Razões diversas levaram a Seleção a se desagregar da sua gente. Deixou de expressar o sentimento de exaltação à brasilidade. Não vejo mais a Pátria amada ali conjugada, apenas uma delegação estrangeira que antes das competições canta, sem expressão, o nosso venerado Hino. Com um furor assombroso, o dinheiro corrompeu algo valioso existente há algumas décadas: o amor do atleta ao sacramentado uniforme azul e amarelo. O orgulho de compor uma Nação de guerreiros ficou na ficção. O laço emocional entre jogadores e torcedores ficou esgarçado ao ponto extremo do torcedor ter apego maior ao próprio time em detrimento da Seleção. A maioria dos ex-ídolos nacionais manifesta claramente a preferência em atuar por seus clubes milionários mundo afora. É a arrogância ganhando volume com as transferências milionárias de estrelas e com os contratos estratosféricos de publicidade, fermentados pelo poder alarmante da mídia, tudo isso desde que o futebol brasileiro estabeleceu-se como um poderio.

Nessa marcha, arrisco a preconizar que aquele antigo clichê de que “o futebol da Seleção é uma das poucas alegrias do sofrido povo brasileiro”, está muito distante dos fatos. Na prática, os torcedores ficam em segundo plano, como meros acessórios do cenário futebolístico. O futebol, na realidade atual, é uma indústria, serve, seguramente, muito mais a interesses financeiros de líderes que gerenciam as expressivas movimentações de capital, como empresários, dirigentes, cartolas, políticos, etc. E serve, principalmente, a interesses de jogadores que têm em mira a atenção e o papel-moeda dos times europeus para futura escalação pelos esquadrões galácticos, mas para isso, precisam do “trampolim” de uma seleção vitoriosa.

Insta que essa conjuntura nebulosa no futebol seja revisada e submetida a uma nova formulação para viabilizar mudanças estruturais necessárias a resgatar a febre da torcida apaixonada; a resgatar o grito que explode com emoção a mil graus pelo gol feito com a intensidade do nosso fervor através dos pés habilidosos dos nossos heróis.

Pura ilusão a minha proposta... pois o dinheiro move o mundo, está acima da razão e do coração e, como disse, certa vez, Nélson Rodrigues, “só os profetas enxergam o óbvio”.

Mesmo assim, ainda vejo na Seleção Brasileira de Futebol uma instituição imortal. O Brasil tem no futebol um fator de identidade. O esporte das massas (e das elites) expressa a sociedade em muitos aspectos e, nesse sentido, a Seleção se torna a representante das nossas tradições nos gramados.

Entretanto, para renascer em mim a magia do futebol-arte, o encanto do princípio, é preciso que a Seleção esteja de volta ao meu coração para a camisa amarela entranhar novamente no peito.
....................................................................
Mande um recado pra mim, comente este conto.
Poste um comentário!

5 comentários:

  1. Não se tem mais Seleção como antigamente. De Barbosa a Júlio Cezar, de Djalma Santos a Maicon, de Nilton Santos a Cleber, de Joel a Elano, de Garrincha a Robinho, de Pelé a Kaka, a diferença não é só o $, mas sim, a teimada técnica. Uma Seleção, a mais antiga, movida por astros talentosos, a seleção mais nova, movida por sanguessugas milionários que poucos se importam com o fragilizado torcedor, e ainda mais, são adeptos do bordão popular: "Joguinho pouco, meu milhão primeiro".(adágio do dito popular: "farinha pouca meu pirão primeiro"). 10, Regina. P

    ResponderExcluir
  2. Ei..vamos bater uma bola??? Bom, começo destacando o que já não é mais novidade: é de cair o queixo a sua capacidade de manusear qualquer tema. Digo manusear porque transcende a já difícil arte de dominar a língua, de falar claramente...enfim...vai além do "discorrer acerca". Parece-me que o tema que você coloca existe em função das suas palavras, tamanho o domínio a que me referi.
    Especificamente sobre essa seleção diferente, não há como discordar em nada do que foi magistralmente ilustrado por você, pois aqui e ali vemos na tv crianças dizendo que quando crescerem serão jogadores de futebol ou pagodeiros. Agora pergunto: qual o liame entre as duas carreiras? Por que duas alternativas tão distantes? Acho que a única coisa em comum é a riqueza que ambas proporcionam. A imagem de vida boa, mulheres bonitas atraídas feito íman, carrões são o atrativo que vibra na cabeça dessas crianças e que acabam sendo disseminadas quase que irreversivelmente na cultura popular. Assim, mata-se o futebol arte, o amor ao futebol e ele, no lugar de objetivo, vira meio para alcançar a tão sonhada riqueza. Parabéns pela crítica. Essa sacode a consciência. Já estou aqui com meu banquinho sentado e esperando o próximo conto.

    ResponderExcluir
  3. Amiga Regina,
    Surpreendente como transita entre assuntos, os mais diversos, com cometários sempre pertinentes. Não retoco uma vírgula no que escreveu e esto plenamente de acordo com o comentário do Ulysses. Sinceramente,os jogos da seleção brasileira nãomais me tiram o fôlego pois estou certa que cada um dos jogadores está colecionando títulos individuais que valorizam seus passes. Dessa forma, podem garantir suas Ferraris, Lamborguinis, mulheres e, se o povão louvar o quanto pretendem, ficarem indelevelmente emoldurados numa galeria da fama, de heróis de inesquecíveis... Quanto valor eles tem mesmo, mas chega a dar pena a alma etérea que construiram à custa do dinheiro e da mídia!...mas eles são conscientes disso, mesmo porque a maioria deles vieram de famílias pobres e humildes e este capitalismo bestial certamente incluiu neles os únicos ou maiores valores que um ser humano pode ter: dinheiro, poder e fama. Eles tem valor? Tem sim e muito mas o coração não é o mesmo dos antecessores.
    Parabéns, mais uma vez, amiga!
    Você, sim joga em qualquer posição sempre com o mesmo valor e amor pelo que faz!

    ResponderExcluir
  4. Na última copa, ouvi de um certo comentarista que a Seleção Brasileira não era um time, mas um "agrupamento de estrelas"!E como você sabiamente escreveu, o dinheiro e a soberba sufocam a raça, o patriotismo, a paixão e todas as belas caracteríscas que um dia fizeram parte da identidade de nossa Seleção. Além disso, esta reflexão se aplica perfeitamente às nossas vidas, uma vez que não podemos deixar a necessidade de "ser" e "ter" roubarem a essência de nossa existência!

    Parabéns por mais um belíssimo conto!!!

    ResponderExcluir
  5. Bem... falando em esportes, paixão e vitórias emocionantes, não tem como deixar escapar a Fórmula 1. Quem não tem boas lembranças de Airton Sena, Nelson Piquet e Emerson Fittipaldi?

    A categoria de elite do automobilismo passou por um problema parecido: investiu-se dinheiro demais no esporte e colocou o desportista em lugar secundário.

    Nesse período, as corridas perderam a "graça". Pois só quem tinha o melhor carro tinha chances... e fora a hegemonia de Michael Schumacher. Não tinha disputa.

    Bem, nos últimos 5 anos vem-se adotando medidas para limitar os orçamentos das equipes e minimizar o uso de apetrechos tecnológicos. Resultado, a cada temporada que passa temos um campeonato mais emocionante que o outro, e acredito que chegará o dia de incluirmos o nome de Felipe Massa no hall menciona acima.

    ResponderExcluir

Obrigada por participar do Blog, comentando este artigo.
Aguardo o seu retorno no próximo conto.
E não se esqueça de recomendar aos amigos.

REGINAFalcão