sexta-feira, 22 de maio de 2009

AMOR E ROMANTISMO

Recentemente presenciei, em visita a um hospital da minha cidade, um casal de pacientes andando, devagarinho, abraçados no corredor, segurando, cada um, um frasco de soro. Jovens e belos no frescor das pétalas de sua juventude, usavam vestes hospitalares, recuperando-se, sob observação médica, de procedimento cirúrgico especial. Naturalmente essa cena desafiou o meu instinto investigativo e me redirecionou para a discreta coleta de dados até a elucidação do assunto sugerido naquele quadro. Eram namorados. A garota sofria de uma deficiência que impunha um transplante de rins. O rapaz decidiu, por amor, doar um dos seus rins saudáveis para garantir a sobrevivência e a qualidade de vida da menina-moça objeto de sua paixão. Eu olhei, incrédula, para aquele caso de amor que passeava na minha frente. Se bem observado, havia um élan entre eles, contagiante, carregado de trocas, num recicle de ternura, doação e ardor que se fundiam em novas formas de energias positivas devolvidas para todo o ambiente por perto. Eu senti na pele o que estou dizendo: fui tomada por uma onda benfazeja de enternecimento diante do testemunho do... milagre do amor.

O amor não se vê com os olhos, mas com o coração, assim disse William Shakespeare. E eu me atrevo a acrescentar que, para ver bem com o coração, o romantismo faz toda a diferença. Por ter desenvolvido uma natureza romântica incorrigível, insisto em atrelar romance a esse sentimento tão exaltado por todos os povos em todas as eras. Guardo, comigo, o convencimento de que amor e romantismo ainda podem conviver em perfeita sintonia, independentemente da ocorrência fortuita de uma conjunção estelar.

Eu venho de um tempo em que se alimentava a idéia de que o amor ideal estava no encontro da alma gêmea, geralmente representada por um príncipe ao volante de um carro esporte ou por uma donzela intocada com todas as prendas domésticas no currículo. Era o reinado do amor na forma de necessidade ou de compensação do outro. Mas quando o amor migrava do terreno da conveniência para o caminho natural da afeição, florescia exuberante, na sua forma mais pura, laçado por ingênuo romantismo, quando olhar nos olhos trazia magia ao momento, sussurrar frases banais sem qualquer intenção, fazia o coração expressar incrível rapidez de batidas. Não havia carícias ou qualquer toque, nem mãos se entrelaçando, nem qualquer indício de lubricidade que maculasse a pureza do “estar junto” entre um casal de jovens adentrando nas misteriosas fronteiras do amor. Era bastante e suficiente saber-se perto, um queria estar e conhecer o outro, apenas isso. E curiosamente, em muitos acontecidos, essa relação amorosa e apaixonada, por ser verdadeira, se estendia posteriormente para a vida em comum, sobrevivendo, incólume, a todas as vicissitudes.

Esses modelos ficaram no passado, mas o romantismo a que me refiro, não está exatamente na aura de ternura existente no namoro pueril e incipiente que acabei de relatar, mas sim na criatividade e na generosidade ao conviver com o outro. Ser romântico, assim aprendi, é ter um coração sensível, envolve gratidão pela vida, educação dos pensamentos e sentimentos para estar atento à vida real, porém apreciando sempre o bem e o belo nos outros e no mundo à sua volta.

Em tempos modernos, o amor ganha novos arranjos, manifesta-se com novas nuances: a idéia fantasiosa de outra metade em algum lugar é substituída pela certeza de que cada ser humano é completo, inteiro, e por isso mesmo competente para viver bem consigo próprio. As pessoas crescidas agora buscam a individualidade e cultivam a inteireza. Começa a dissipar-se a lenda de que o bem-estar vem do mundo exterior. Assim, aqueles relacionamentos de dependência afetiva, onde cada um atribui ao outro a responsabilidade pela sua ventura, vão desaparecendo. Hoje, a tônica é o companheirismo. O amor passa a ser um desejo de estar perto, de compartilhar na mesma plataforma do outro, desvinculado de qualquer carência. Deseja-se a presença do outro simplesmente por ansiar-se por sua companhia, longe do significado de um remédio para curar um vazio, uma insatisfação. Morre a expectativa de ver no outro uma fonte de preenchimento de insuficiências, para defrontar-se com o amor como o trato franco, aberto e igual entre duas pessoas maduras caminhando lado a lado, apesar de serem como são.

Olhando sob o ângulo do "viver junto enquanto perdure a chama", há muito o que aprender e experimentar. Entre casais que se unem visando a longevidade do amor numa ligação duradoura, carece, antes de tudo, a invocação de outros sentimentos auxiliares para encarar os desafios advindos de uma complexa vida a dois. Não existe uma fórmula infalível para garantir um amor que carrega o ônus do “eterno se possível”, mas a clássica trilogia: afeto, respeito e confiança, ainda funciona. Juntando a isso os componentes da racionalidade, do discernimento e da sensibilidade e, preservando vida própria com um tempo para cada um... a chave está aberta para o desfrute das maravilhas do amor de verdade.

E o romantismo, agora redefinido para se adequar aos novos tempos, para mim, é o tempero que aumenta os níveis de serotonina (substância ligada à sensação de prazer) e que diz se tudo valeu a pena. Segundo o meu jeito de ser e pensar, atitudes românticas estão escancaradamente explícitas: no bom humor como ingrediente indispensável; na gentileza sempre, agressões nunca; numa certa camaradagem agregada à alguma cumplicidade; num punhado de disposição para ouvir a qualquer instante; numa porção razoável de paciência; num pouco de silêncio no momento oportuno; no apoio irrestrito sem competições, nem comparações, nem cobranças; na sedução ininterrupta; no bastar-se a si próprio para estar bem. Assim é a minha maneira de ver o amor romântico nos dias de hoje: atualizado na sua forma, mas que envolve e encanta como em todos os tempos.

Desse modo, eu vi amor e romantismo inspirando os passos para o enlace daquele casal de jovens recém-operados. Agora, eles respiravam a vida através do prodígio de sentimentos maiores, unidos por uma avalanche de promessas de amor eterno, se o eterno durar, e no caso deles, eu creio que dura.

Quanto a nós outros, para descobrirmos, como passageiros que somos dessa viagem terrena, se o amor realmente habitou o nosso ser, um simples olhar sobre nós mesmos antes e depois dele nos revela tudo, porque, como alguém já disse antes:

Algumas pessoas surgem na nossa vida e simplesmente passam. Outras ficam um pouco e deixam pegadas em nossos corações e nós nunca mais seremos os mesmos”.

....................................................................
CRÔNICA 17

Mande um recado pra mim, comente este conto.

Poste um comentário!

6 comentários:

  1. Querida Amiga.

    Não poderia ser diferente a qualidade exuberante de sua crônica.
    Sempre são instigantes os temas sobre os quais discorreu: amor, paixão, doação, romantismo, etc. Eu me congratulo com tudo o que opinou, mesmo porque já li um dia que se o mundo é mundo, tudo foi graças à paixão. Desde a paixão do Criador nos primórdios, até a paixão de quem vibra ao descobrir uma nova vacina, um design eloqüente, uma fórmula “mágica”. Quem há de dizer que estes apaixonados também não deram algo de si pelas coisas a que se dedicaram?
    Um homem e uma mulher também assim o são. Quando a paixão existe, fica difícil estabelecer limites entre o que “é meu” e “o que é seu”. A paixão pode chegar a tal ponto que ambos vivem em um único corpo com tudo em duplicidade: dois corações, duas almas, dois tudo... ; por isso quem efetivamente está apaixonado e ama mesmo, não se importa em se doar para a realização do outro. Às vezes me confundo se duas pessoas que se amam “são duas almas co-habitando cada corpo” ou “dois corpos partilhando a mesma alma”. Quem nunca doou parte de si por quem está apaixonado? Seja boa parte do seu tempo tomado em preocupações e lembranças ou seja forçando o controle de sua taquicardia quando vê, lê um bilhete ou recebe um abraço caloroso de quem ama!
    Sabe? Sinto pena dos jovens que se educaram em “ficar” pois nisso enseja uma facilidade etérea em ter a outra pessoa. Não experimentaram a perda de fôlego ao receber uma rosa, ao perceber um olhar realmente apaixonado, um toque das mãos, um simples “me lembrei de você”!
    Eu estou ciente que isso é comportamental e se alguém consegue esse tipo de emoção, as terá até o fim da vida, mesmo que seja com outra pessoa. Mesmo porque sei que as pessoas não são eternas, mas o amor sim, é eterno. Eu o imagino atravessando nossa linha do tempo, com um tamanho infinito. Uma vez cruzado, nunca mais seremos as mesmas e seu tamanho e poder são eterna e infinitamente magestosos para serem esquecidos nos dias que se passaram. Ele segue em paralelo às nossas vidas pelo resto dos dias. Daí que sua poesia é linda! Tudo: paixão, amor, doação existem nos Homens e Mulheres desde a tenra idade e essas virtudes os acompanham até a última morada.
    Obrigada por mais esse néctar para os sentimentos! Beijos!

    ResponderExcluir
  2. Ocasioanalmente deparo-me com textos que tratam do amor. Compreensível uma vez que o tema é assunto dos mais interessantes para se debater seja com um amigo próximo, seja em uma rodada num bar. Até mesmo com estranhos se pode conversar sobre o amor.
    Por ser assunto tão tratado, é comum encontrarmos clichês que vão sendo disseminados acerca do amor, ou seja, repete-se o que já foi dito e nada de novo se vê.
    É...escrever sobre o amor é arriscado mesmo...!
    Contudo, o seu texto sobre o amor é algo ÚNICO, DIFERENTE, ESPECIAL. Não se pode dizer que já se viu algo parecido em algum lugar.
    Falar sobre o amor sem ser piegas ou vulgar é dom de poucos, a exmplo dos nossos grandes poetas. Mas falar de amor como você fala é GENIAL.
    Aliás, pelos textos do seu blog já se podia perceber que sua alma é toda amor .. pela vida .. pela natureza .. pelo próximo. Parabéns pela maestria e obrigado pela pequenina obra de arte, feito diamante lapidado em delicada jóia!

    ResponderExcluir
  3. O próprio Deus nos ensina o valor do romantismo quando nos desenvolve com neurotransmissores e hormônios do prazer que são ativados com um simples olhar, um carinho, um afago ou um beijo...

    E mais uma vez fico emocionada com sua sensibilidade!

    ResponderExcluir
  4. amei a crônica, no amor de hoje tem que está envolvido o respeito, o carinho, a cumplicidade, uma boa conversa...o romantismo continua em pleno século XXI e não perdeu sua essência, porém o romance existe nos tempos de hoje de um modo diferente, sem muitas fantasias mas sim com a realidade!!

    ResponderExcluir
  5. Este seu conto vale pra mim como uma cartilha do amor. Eu estou relendo de vez em quando me preparando para o próximo namorado. Beleza! Fico esperando os outros.

    ResponderExcluir
  6. Quem está de fora percebe certos atos de amor como extraordinários, sobrenaturais. E são mesmo. Mas, para quem os pratica, a naturalidade é peculiar. Inimaginável seria não se doar pelo seu amor, e como foi dito no conto, só se percebe isso olhando com o coração (realçado pelo romantismo).

    ResponderExcluir

Obrigada por participar do Blog, comentando este artigo.
Aguardo o seu retorno no próximo conto.
E não se esqueça de recomendar aos amigos.

REGINAFalcão