terça-feira, 21 de outubro de 2008

AS EUGÊNIAS DA MINHA VARANDA


Eu moro no sétimo andar de um edifício voltado para o Rio Negro. Ao lado do meu prédio floresce uma mata rica em árvores centenárias e vegetação densa criando um habitat apropriado para pequenos animais e grande diversidade de aves. Enquanto o céu se abre, perco-me em horizontes, vendo das janelas, a exibição das famílias de macaquinhos fazendo malabarismos, o deslocamento das preguiças entre as árvores, o voo em bando dos tucanos. Pássaros exóticos, com plumagens extravagantes, bailam sem rumo, levando consigo meu olhar hipnotizado.

Na varanda do meu apartamento, instalei duas Eugênias adultas para filtrar os raios solares e humanizar o ambiente. Preferi não moldá-las para se vestirem de uma aparência natural. Antes de dormir, deixo um afago em suas folhagens, falando do meu agrado por elas.

Não sabia eu que essas singelas plantinhas seriam um cenário tão atrativo para um grupo de afinados Sanhaçus.

Todas as manhãs, cedinho, um casal desses passarinhos vem pousar nos galhos da planta e emitir um trinado alto e agradável como um convite a outros parceiros para um animado festim. Esse pedacinho de verde funciona como uma espécie de Café onde a passarada se encontra para atualizar as notícias. O ritual se repete durante outras horas do dia, sem qualquer intimidação com a presença dos humanos. 


Todas as vezes que eu abro as portas, em cada parte da varanda sinto um cheiro de jasmim no ar deixado pelas pegadas dos minúsculos invasores. Busco, em vão, entender a causa dessas visitas. Esses bichinhos, cativos do meu espaço, aproximam-se desarmados, apegaram-se aos meus dois arbustos domésticos de estimação, e regressam com frequência  pontual para o mesmo porto. Parece que fizeram um pacto, uma escolha coletiva para pouso mais perto dos próprios ninhos, pois em sua zona de conforto na mata, o horizonte tem um limite e o céu tem um fim.  Eles desconhecem o mundo que existe para lá das minhas janelas. 

Certo dia, comovida com a permanência de tão assíduos visitantes, preparei uma sofisticada salada com cubinhos de mamão, banana e abacate, servida num copinho plástico de café amarrado com laço num dos galhos da Eugênia mais frequentados pelos cantantes pássaros.

A minha surpresa foi do tamanho da minha decepção. Os saltitantes aventureiros chegaram alvoroçados, percorreram todos os cantinhos da pequena copa e ignoraram completamente o farto banquete ostentado com tanto capricho. Nenhuma bicada, nenhuma ciscada... nem por curiosidade. Ensaiaram o habitual coro e voaram para outras paragens.

Ainda não sei ao certo qual a razão dessas criaturinhas, com um manancial a explorar na floresta vizinha ou no resto do mundo, manifestarem interesse em uma arvorezinha de vaso que não tem sementes, nem flores, nem frutinhos, apenas folhas verdes e miúdas, tão simples... como as boas coisas da vida.
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CRÔNICA 1

10 comentários:

  1. Regina,

    Esse é um blog com um ótimo começo! Adorei a história dos pássaros e das eugênias.

    Abraços,

    Rosa Clement

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  2. Querida Regina,

    Permita-me chama-la assim. Mal nos conhecemos e já sou sua fã. Esse jeito de quem cultiva sentimentos nobres , sensibilidade pelas coisas simples da vida; contemplando a natureza, apaixonando a cada dia pelo dom da vida, extraindo no cotidiano grandes ou pequenas experiências.
    Como dizia o poeta Fernando Pessoa: "tudo vale a pena quando a alma não é pequena", mas prefiro assim: tudo vale a pena quando a emoção não é pequena.Abracos.

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  3. Qualquer dia esse casal de passarinhos vai pousar acompanhado dos amigos de sempre e dos filhotinhos para mostrar onde começaram a namorar na juventude !!!! :)

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  4. Não é por acaso, mas, o conto narrado só confirma mais um de seus dotes. Um pequeno passo para um infinito progresso. Bravo. Carinho.

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  5. Achei divina a sua sensibilidade. Admiro porque criei um "restaurante de passarinhos" em casa, dependurado por cordinhas, no qual, todos os dias de manhazinha, eu coloco quirera de arroz e milho e pedacinhos de frutas. Fico de "casa cheia" das 6 às 8 da manhã, com os mais diversos "clientes". É, realmente, uma satisfação! Os seus, tem uma virtude: vem sem interesses! Só você mesmo...

    PARABÉNS, VOCÊ TEM UMA LINDA ABORDAGEM LITERÁRIA DOS "ACASOS"!

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  6. Socorro
    Lendo seu conto, lembrei de outro conto: A gardênia Branca de uma escritora americana chamada Masha Arons. Assim como o dela me transportei e senti a fragrância e o perfume de suas Eugenias, ouvi o cantar dos passarinhos, como se estivesse em sua varanda. Que Deus lhe abençoe e que o Espírito Santo continue manifestando em voce esse dom maravilho que nos emociona.

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  7. Dea
    Fiquei conhecendo seu Blogger através de uma amiga de Faculdade, e realmente fiquei bastante emocionada com seu conto, é como sentir um momento de paz. Ao falar das Eugênias e passarinhos que estão em sua varanda, nos ensina a observar mais a criação de nosso grande e poderoso Deus. A Socorro estava certa, você tem um grande talento. Que a amor de Deus esteja com você.

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  8. Amei sua história, realmente é emocionante e e nos leva a redescobrir o encanto da sensibidade.Deus lhe abençoe
    Rafa

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  9. Muito obrigada pelo incentivo de todos! Espero voltar a encontrá-los nas próximas histórias!

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Aguardo o seu retorno no próximo conto.
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REGINAFalcão